Parte I
Mitos ahistóricos da historicidade das sociedades africanas
As primeiras idéias sobre a
inexistência da história das sociedades africanas foram expressas pelo filósofo
alemão de grande renome J. G. Frederic Hegel (1770-1831), no seu discurso
sobre filosofia da história (1830), Hegel declarava: “A África
não é um continente histórico, ela não demonstra nem mudança nem
desenvolvimento, [os africanos] são incapazes de desenvolver e de receber
educação. Eles sempre foram tal como os vemos hoje”. Na mesma concepção de
idéia Coupland, em 1928, no seu manual L´histoire de l´Afrique Oriental,
dizia: “A África propriamente dita não tivera história até David
Livingostne. A maior parte dos seus habitantes tinha permanecido durante tempos
imemoráveis, mergulhados na barbárie. Tal fora, ao que parece, o desígnio da
natureza. Eles permaneciam no estagnamento, sem avançar nem recuar”. Ainda
na mesma vertente, sem pestanejar, Gaxote, na sua obra recue de paris (1957),
escreveu: “Os povos da África nada deram à humanidade (...), nada
produziram”. Em 1864, James Bruce, na sua obra Mission to
Gelele, King of Dahomey e numa notável digressão sobre o lugar do
negro na história pode se ler frases como: “O negro puro se coloca na
família humana debaixo das [demais raças], e prossegue, o negro não
progredirá além de um determinado ponto que não merecerá consideração, porque
mentalmente ele permanece uma criança adulta”.
Já Oliveira Martins, no seu
livro O Brasil e as Colônias Portuguesas, escrito em 1889,
enfatizava a seguinte teoria desprovida de qualquer nexo científico: “...Sempre
o preto (...) é uma criança adulta. A precocidade, a mobilidade, a agudeza
própria das crianças não lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se
transformam em faculdades intelectuais superiores. (...) É um tipo
antropologicamente inferior, próximo do antropóide, e bem pouco digno do nome
homem”. Com base na visão pseudocientífica sobre a inferioridade do
negro e sua escolarização, Oliveira Martins continua: “A idéia de uma
educação dos negros é absurda, não só perante a história, como perante a
capacidade mental dessas raças inferiores”. Pois “o facto de os
negros parecerem como seres humanos e agir como seres humanos não lhes faz
necessariamente sensíveis seres humanos [intelectuais], (...) nós [brancos]
somos superiores aos pretos”, dizia Peter W. Botha em 1985.
No entanto, contra estas
teorias [todas do século XIX] insurge-se um homem negro de
formação multifacética, como diz o professor Boubakar Namori Keita em seu
ensaio de reflexão (2008), com vasta erudição impregnada de rigor e
profundidade: Cheikh Anta Diop (1923-1986). Historiador, químico,
físico nuclear e antropólogo, que manejava com facilidade, seriedade e
profundidade científica, métodos, técnicas e dados destes ramos de conhecimento
para utilizá-los na reconstrução da história da África.
É por meio dos estudos de Diop
que se sabe, hoje, que a primeira das grandes civilizações mundiais antes da
Babilônia, Síria, Medo-Persa e Grega, o antigo Egipto ou civilização do Nilo
pertencia a povos de tez negra conhecedora da escrita que remonta do V milênio;
que os egípcios negros são inventores de um calendário de cerca de 4236 anos
antes de Cristo, coerente de 365 dias; que os estudiosos ou “cientistas”
gregos, muitos deles filósofos (hoje os mais referenciados), iam ao Egipto
receber ensinamentos junto a sacerdotes egípcios negros; que as primeiras
expedições marítimas, atlânticas, foram obras do Mansa Bocori ou Abubakari IIº
em 1311; que não foi Cristóvão Colombo o primeiro a se encontrar nas caraíbas e
na América do Sul, mas que tinha sido precedido por um soberano negro da África
Ocidental que, por sua vez, também encontrou outros negros cuja presença data
de antes do século X; que os povos da África Oriental conheciam a Índia e,
melhor, as rotas do índico antes de Vasco da Gama.
Não se deve esquecer a magnífica
obra de Yves Antoine: inventores e sábios negros (1999).
Surpreendente por ir de encontro à imagem que se faz do homem negro, do qual
circunscreve a capacidade criadora a domínios bem preciso como a música, o
desporto e a dança... A verdade é que nomes como Wolé Soyinka (Prémio Nobel de
literatura de 1986) e de Muhammad Ali (três vezes campeão do mundo de boxe),
Koffi Anan (ex-secretário das Nações Unidas por dois mandatos), Harry
Belafonte, Nelson Mandela e Pelé são mais ou menos familiares à maior parte dos
cidadãos Ocidentais e de outros continentes, embora difícil seja citar nomes de
cientistas negros de alto nível.
Mas quem sabe que a primeira
operação ao coração foi efectuada pelo Doutor Daniel Hale Willians no ano de
1893 em Chicago? Quem é que está ao corrente de que o químico americano
Washington Carver extraiu da batata mais de uma centena de produtos, tais como
farinha, tinta, tapioca, amido e borracha sintética? Que os sinais luminosos
para circulação automóvel foi inventado pelo negro americano Garrett Morgan?
Que a Dra. Evelyn Boyd Granville e Mae Jemison estiveram, respectivamente, ao
serviço da NASA e da IBM. A lista é enorme.
E enfim, todas as teorias do
século XIX visavam ocultar o contributo do homem negro à humanidade e
coisificá-lo para melhor o dominar ou frustrar os seus desejos ou as suas
tentativas de identificação com modelos legítimos e tende a aniquilar a sua
confiança de auto-estima. No fundo, ocultar trabalhos importantes do homem
negro é como forma de «violência simbólica», segundo as palavras de
Pierre Bourdieu.
Portanto, os trabalhos de muitos
amantes da África revelam uma nova dimensão do universo dos negros, cujos
subsídios à ciência e à técnica modernas, embora tivessem sido durante muito
tempo escondidos à face do mundo, nem por isso foram menos apreciáveis.
Fontes de pesquisa:
ANTOINE, Yves: “Inventores
e Sábios Negros”, Ed. Nzila, Luanda, 2009.
KEITA, Boubakar Namori: “Cheikh
Anta Diop: Contribuições Endógena Para a Escrita da História do Continente –
Ensaio de Reflexão Sobre Uma Obra”, Ed. Nzila, Luanda, 2008.
KI-ZERBO, Joseph et all: “História
Geral da África Negra-metodologia e pré-história africana”, Vol.I, Ed.
Ática, São Paulo, 1980.
M´BOKOLO, Elikia: “África
Negra: História e Civilizações do Século XIX aos Nossos Dias”. Vol. II, 2ª
Ed, Editora Calibre, 2007.
PARREIRA, Adriano: “A Maquina
de Dúvidas: Conceito de Negro na Literatura de Viagem Sobre Angola – século
XV-XVII”, Ed. INALD, Luanda, 1998.
VIEIRA, Laurindo: “Angola:
Dimensão Ideológica da Educação”, Ed. Nzila, Luanda, 2007.
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