QUEM FOI MANDUME
YA NDEMUFAYO (1911-1917)
No Início do século XX, a rainha-mãe NdaKioli,
estendia o seu manto sagrado pelos seus descendentes conferindo a cada um
cargos à altura da sua dignidade. A rainha-mãe teve quatro filhos, Eyulu,
Auficu, Nande e Hamaloi. Por volta de 1885 o padre Lecomte tornou-se amigo de
Auficu que era muito inteligente. Estes personagens estavam permanentemente em
perigo de serem envenenados, tudo por causa da legitimidade da subida ao trono.
Escusado será dizer que se para o novo rei os missionários portugueses não
estivessem em boas graças (tudo dependia do valor atribuído pelo rei às ofertas
recebidas), bem podiam começar a fazer a mala e partir dos arredores da
residência do soberano. Felizmente, Eyulu tinha desde há muito consolidado as
relações com os missionários católicos, alemãs e inglesas, e distribuiu parte
de sua família nestas missões para serem educadas.[2]
Embora o rei fosse absoluto, como acontecia com o rei do
Kongo, dividia os distritos do seu reino pelos seus filhos e sobrinhos
dando-lhes legitimidade para fazerem a guerra. Por este motivo cada distrito
tinha os seus lenga (generais), que no caso de pedido de resgate de
prisioneiros era com eles que as negociações se faziam.[3]
O rei vivia só com o seu séquito. Segundo Ramiro Monteiro o
soba apenas vivia com as suas mulheres, os seus escravos e os seus soldados e
as famílias conservam-se à distância, ao abrigo dos caprichos do chefe e das
depredações da sua guarda.[4]
Mas, apesar da aparente situação de sossego já se verificavam sinais eminentes
de invasão de predadores imperialistas. Foi precisamente neste clima de
permanentes tensões então instrumentalizadas especialmente por alemães e
ingleses que nasceu Mandume.
Mandume Ya Ndemufayo terá nascido,
provavelmente, em 1894. Ndemufayo cresceu durante um período de significativa
agitação no reino Kwanyama, devido à presença de comerciantes europeus e missionários.
Terceiro na linha de sucessão para
o trono Kwanyama, o príncipe jovem, destinado a ser rei,
foi cuidadosamente treinado para o mando militar pelos poderosos comandos
alemães (religiosos e militares) sedeados na Damaralândia, o então Sudoeste alemão
(actual Namíbia) de 1884 a 1915.[5]
Também, desde muito jovem foi certamente iniciado pelos
mais experimentados lengas nos primeiros passos para reconhecer os
elementares sinais da cultura guerreira que lhe viria, mais tarde, a conferir
legitimidade de liderança em futuras guerras pela hegemonia do poder
centralizador Kwanyama, existe até um
provérbio entre eles, aliás também kongo, que diz o seguinte:
“O homem deve ser
considerado criança por todos antes de atingir o patamar da vida adulta. Deve
permanecer subalterno antes de aceder ao poder, deve ser iniciado antes de
poder governar.”
Filho de Ndapona ya Sikunde, educado numa missão alemã
protestante, para além do português, Mandume dominava igualmente o alemão, o
que lhe permitiu com a habilidade política que lhe era característica, tirar
partido das rivalidades dos europeus, para preservar a independência do seu
reino.
Aos 17 anos de idade, Ndemufayo
assumiu o trono de forma pacífica (para as normas Kwanyama), sucedendo o rei
Nande ya Heidimbi, provavelmente seu tio, e imediatamente mudou a residência
real para Ndjiva (actual Ondjiva).
Como rei, Ndemufayo tomou algumas
medidas reformatórias. No plano interno, ele emitiu decretos proibindo a colheita
de fruta não amadurecida, para se proteger contra as secas, e o uso
desnecessário de armas de fogo, um produto importante obtido de comerciantes
europeus. Significativamente, ele também estabeleceu duras penas para o crime
de estupro e permitiu que as mulheres tivessem o seu próprio rebanho, o que
anteriormente era ilegal. De modo geral, o rei Ndemufayo procurou restaurar a
riqueza e a anterior prosperidade Kwanyama contra um sistema decadente da
liderança local.
Em relaçao ao Cristianismo, Ndemufayo tinha reputação de perseguidor dos cristãos dentro do reino
Kwanyama, este facto deveu-se porque ele já tão bem conhecia os verdadeiros
intentos por trás das missões. Numerosas famílias cristãs fugiram para o reino
Ondonga dos Ovambos devido à sua perseguição. Ndemufayo também teve problemas
com missionários portugueses da Igreja Católica Romana, bem como com alemães
protestantes da Sociedade Missionária do Reno.
De igual modo expulsou do
território Kwanyama os comerciantes portuguêses, denunciando a inflação dos
preços que estes praticavam.
No entanto, na
altura em que assumiu o poder, o reino passava por momentos extremamente
difícil. A seca que devastava o sul de Angola de 1911 a 1916, atingiu
especialmente a região dos Ovambos. As pretensões europeias (alemães e
portugueses), em ocupar e dominar estes povos do sul, faziam crescer os avanços
militares, face à resistência que se lhes opunham os povos desta região. Apesar
dessa resistência os portugueses ocuparam Humbe e Evale. Mandume decide-se por
constituir uma ampla coligação dos povos desta região, para fazer face ao
poderio militar português. Comandados por Pereira d’Eça, os portugueses estavam
fortemente armados de artilharia pesada, contudo teriam que combater cerca de
três dias (18 a 20 de Agosto de 1915) em Omongwa (Môngua) para vencer o
exército coligado de Mandume.
Para além da grande batalha de Omongwa, Mandume teve de
travar com seus destemidos lengas mais outra grande batalha: a de Oihole (16 de
Outubro de 1916) na qual terá perdido sua vida.
Nenhum colonizador europeu desafiou os reinos bem
organizados e bem armados Ovambo até 1915 ao início da I Guerra Mundial, que
coincidiu com uma seca enorme local. Durante a resistência em Omongwa,
simultaneamente, as forças sul-africanas conquistaram a parte do reino Kwanyama
anteriormente localizada no sudoeste alemão da África. Devido às grandes
perdas, Ndemufayo foi forçado a colocar a capital Kwanyama na área do Sul da
África Ocidental.
Em Fevereiro de 1917, após Ndemufayo morreu em batalha
contra os sul-africanos por recusar submeter-se ao controlo destes. A causa da
morte é contestada: registos sul-africanos mostram a sua morte por tiros de
metralhadora, enquanto a história oral e popular angolana descreveu sua morte
como suicídio, ao notar que já não tinha outra saída do que ter que se render
aos colonizadores portugueses.
Uma terceira versão refere que Mandume foi abatido, em
1917, no decurso de uma batalha contra as tropas portuguesas. O rei dos
Kuanyama foi decapitado e a sua cabeça foi exibida durante anos pelas
autoridades portuguesas.
O padre Keiling apresenta ainda uma outra versão,
considerada mais precisa deste acontecimento: “E virando-se para os sobrinhos
(primos) os filhos do falecido Soba Weyulu, lhes perguntou se queriam ser
muleques de brancos. Como eles dissessem que antes queriam morrer, o Soba,
levando a espingarda à cara, prostrou-os com dois tiros, e virando em seguida a
arma contra si mesmo, fez saltar os miolos”.[6]
Mandume Ya Ndemufayo faleceu em 6 de Fevereiro de 1917 na localidade de Ehola e segundo as duas
versões conhecidas da sua história terá morrido em combate ou por suicídio para
evitar a rendição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AFRONTAMENTO. História de Angola. 1965. Argel.
DUARTE, José Bento. Senhores do sol e do vento: Histórias
verídicas de portugueses, angolanos e
outros africanos, Lisboa, Estampa, 1999.
ESTERMANN,
Carlos: Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro). Colectânea de artigos
dispersos, Volume I, Lisboa 1983.
HAYES, Patricia e HAIPINGE, Dan (coords.). «Healing the Land»:
Kaulinge’s History ofKwanyama, Rüdiger Köppe Verlag, Colónia, 1997, p. 97.
KEILING, Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de África. Fraião/Braga,
Edição das Missões de Angola e Congo, 1934.
LECOMTE, padre
Ernesto: Os Cuanhamas, In Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa,
1902,
MONTEIRO, Ramiro
Ladeiro: Os Ambós de Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994
PELISSIER, René. Historia das campanhas de Angola: resistências e revoltas (1845-1941) vol.2, Lisboa, Estampa, 1986.
ZOTOV, Nikolai, MALIKN, Vladislav. A África de expressão portuguesa: Experiencia de luta e de desenvolvimento,
Moscovo, progresso, 1996.
[1] Leia-se periferia territorial.
[2] LECOMTE, padre Ernesto: Os Cuanhamas, In
Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa, 1902, pp. 685-7.
[3] MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: Os Ambós de
Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994, pag.36
[5] A partir desta data a Republica da África do
Sul integrou o território até 1990, altura em que emergiu o estado republicano
da Namíbia.
[6] KEILING,
Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de
África. Fraião/Braga, Edição das Missões de Angola e Congo, 1934, p. 201.
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