segunda-feira, 21 de abril de 2014

MANDUME YA NDEMUFAYO (1894-1917)


QUEM FOI MANDUME YA NDEMUFAYO (1911-1917)

 Durante muito tempo o Reino Kwanyama gozava do maior prestígio entre os povos vizinhos. Na zona ecuménica[1] viviam os Evale, os kuamato, chimba, cafima e bosquimanos (khoisan) com quem, circunstancialmente, os cuanhama faziam aliança, mas, note-se que, em épocas de grandes secas, os cuanhama não tinham dúvidas em aprisionar gado, mulheres e crianças entre os seus habituais aliados.

No Início do século XX, a rainha-mãe NdaKioli, estendia o seu manto sagrado pelos seus descendentes conferindo a cada um cargos à altura da sua dignidade. A rainha-mãe teve quatro filhos, Eyulu, Auficu, Nande e Hamaloi. Por volta de 1885 o padre Lecomte tornou-se amigo de Auficu que era muito inteligente. Estes personagens estavam permanentemente em perigo de serem envenenados, tudo por causa da legitimidade da subida ao trono. Escusado será dizer que se para o novo rei os missionários portugueses não estivessem em boas graças (tudo dependia do valor atribuído pelo rei às ofertas recebidas), bem podiam começar a fazer a mala e partir dos arredores da residência do soberano. Felizmente, Eyulu tinha desde há muito consolidado as relações com os missionários católicos, alemãs e inglesas, e distribuiu parte de sua família nestas missões para serem educadas.[2]

Embora o rei fosse absoluto, como acontecia com o rei do Kongo, dividia os distritos do seu reino pelos seus filhos e sobrinhos dando-lhes legitimidade para fazerem a guerra. Por este motivo cada distrito tinha os seus lenga (generais), que no caso de pedido de resgate de prisioneiros era com eles que as negociações se faziam.[3]

O rei vivia só com o seu séquito. Segundo Ramiro Monteiro o soba apenas vivia com as suas mulheres, os seus escravos e os seus soldados e as famílias conservam-se à distância, ao abrigo dos caprichos do chefe e das depredações da sua guarda.[4] Mas, apesar da aparente situação de sossego já se verificavam sinais eminentes de invasão de predadores imperialistas. Foi precisamente neste clima de permanentes tensões então instrumentalizadas especialmente por alemães e ingleses que nasceu Mandume.

Mandume Ya Ndemufayo terá nascido, provavelmente, em 1894. Ndemufayo cresceu durante um período de significativa agitação no reino Kwanyama, devido à presença de comerciantes europeus e missionários.

Terceiro na linha de sucessão para o trono Kwanyama, o príncipe jovem, destinado a ser rei, foi cuidadosamente treinado para o mando militar pelos poderosos comandos alemães (religiosos e militares) sedeados na Damaralândia, o então Sudoeste alemão (actual Namíbia) de 1884 a 1915.[5]

Também, desde muito jovem foi certamente iniciado pelos mais experimentados lengas nos primeiros passos para reconhecer os elementares sinais da cultura guerreira que lhe viria, mais tarde, a conferir legitimidade de liderança em futuras guerras pela hegemonia do poder centralizador Kwanyama, existe até um provérbio entre eles, aliás também kongo, que diz o seguinte:

“O homem deve ser considerado criança por todos antes de atingir o patamar da vida adulta. Deve permanecer subalterno antes de aceder ao poder, deve ser iniciado antes de poder governar.”

Filho de Ndapona ya Sikunde, educado numa missão alemã protestante, para além do português, Mandume dominava igualmente o alemão, o que lhe permitiu com a habilidade política que lhe era característica, tirar partido das rivalidades dos europeus, para preservar a independência do seu reino.

Aos 17 anos de idade, Ndemufayo assumiu o trono de forma pacífica (para as normas Kwanyama), sucedendo o rei Nande ya Heidimbi, provavelmente seu tio, e imediatamente mudou a residência real para Ndjiva (actual Ondjiva).

Como rei, Ndemufayo tomou algumas medidas reformatórias. No plano interno, ele emitiu decretos proibindo a colheita de fruta não amadurecida, para se proteger contra as secas, e o uso desnecessário de armas de fogo, um produto importante obtido de comerciantes europeus. Significativamente, ele também estabeleceu duras penas para o crime de estupro e permitiu que as mulheres tivessem o seu próprio rebanho, o que anteriormente era ilegal. De modo geral, o rei Ndemufayo procurou restaurar a riqueza e a anterior prosperidade Kwanyama contra um sistema decadente da liderança local.

Em relaçao ao Cristianismo, Ndemufayo tinha reputação de perseguidor dos cristãos dentro do reino Kwanyama, este facto deveu-se porque ele já tão bem conhecia os verdadeiros intentos por trás das missões. Numerosas famílias cristãs fugiram para o reino Ondonga dos Ovambos devido à sua perseguição. Ndemufayo também teve problemas com missionários portugueses da Igreja Católica Romana, bem como com alemães protestantes da Sociedade Missionária do Reno.

De igual modo expulsou do território Kwanyama os comerciantes portuguêses, denunciando a inflação dos preços que estes praticavam.

No entanto, na altura em que assumiu o poder, o reino passava por momentos extremamente difícil. A seca que devastava o sul de Angola de 1911 a 1916, atingiu especialmente a região dos Ovambos. As pretensões europeias (alemães e portugueses), em ocupar e dominar estes povos do sul, faziam crescer os avanços militares, face à resistência que se lhes opunham os povos desta região. Apesar dessa resistência os portugueses ocuparam Humbe e Evale. Mandume decide-se por constituir uma ampla coligação dos povos desta região, para fazer face ao poderio militar português. Comandados por Pereira d’Eça, os portugueses estavam fortemente armados de artilharia pesada, contudo teriam que combater cerca de três dias (18 a 20 de Agosto de 1915) em Omongwa (Môngua) para vencer o exército coligado de Mandume.

Para além da grande batalha de Omongwa, Mandume teve de travar com seus destemidos lengas mais outra grande batalha: a de Oihole (16 de Outubro de 1916) na qual terá perdido sua vida.

Nenhum colonizador europeu desafiou os reinos bem organizados e bem armados Ovambo até 1915 ao início da I Guerra Mundial, que coincidiu com uma seca enorme local. Durante a resistência em Omongwa, simultaneamente, as forças sul-africanas conquistaram a parte do reino Kwanyama anteriormente localizada no sudoeste alemão da África. Devido às grandes perdas, Ndemufayo foi forçado a colocar a capital Kwanyama na área do Sul da África Ocidental.

Em Fevereiro de 1917, após Ndemufayo morreu em batalha contra os sul-africanos por recusar submeter-se ao controlo destes. A causa da morte é contestada: registos sul-africanos mostram a sua morte por tiros de metralhadora, enquanto a história oral e popular angolana descreveu sua morte como suicídio, ao notar que já não tinha outra saída do que ter que se render aos colonizadores portugueses.

Uma terceira versão refere que Mandume foi abatido, em 1917, no decurso de uma batalha contra as tropas portuguesas. O rei dos Kuanyama foi decapitado e a sua cabeça foi exibida durante anos pelas autoridades portuguesas.

O padre Keiling apresenta ainda uma outra versão, considerada mais precisa deste acontecimento: “E virando-se para os sobrinhos (primos) os filhos do falecido Soba Weyulu, lhes perguntou se queriam ser muleques de brancos. Como eles dissessem que antes queriam morrer, o Soba, levando a espingarda à cara, prostrou-os com dois tiros, e virando em seguida a arma contra si mesmo, fez saltar os miolos”.[6]

Mandume Ya Ndemufayo faleceu em 6 de Fevereiro de 1917 na localidade de Ehola e segundo as duas versões conhecidas da sua história terá morrido em combate ou por suicídio para evitar a rendição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AFRONTAMENTO. História de Angola. 1965. Argel.

DUARTE, José Bento. Senhores do sol e do vento: Histórias verídicas de portugueses, angolanos e outros africanos, Lisboa, Estampa, 1999.

ESTERMANN, Carlos: Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro). Colectânea de artigos dispersos, Volume I, Lisboa 1983.

HAYES, Patricia e HAIPINGE, Dan (coords.). «Healing the Land»: Kaulinge’s History ofKwanyama, Rüdiger Köppe Verlag, Colónia, 1997, p. 97.

KEILING, Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de África. Fraião/Braga, Edição das Missões de Angola e Congo, 1934.

LECOMTE, padre Ernesto: Os Cuanhamas, In Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa, 1902,

MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: Os Ambós de Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994

PELISSIER, René. Historia das campanhas de Angola: resistências e revoltas (1845-1941) vol.2, Lisboa, Estampa, 1986.

ZOTOV, Nikolai, MALIKN, Vladislav. A África de expressão portuguesa: Experiencia de luta e de desenvolvimento, Moscovo, progresso, 1996.

 




[1] Leia-se periferia territorial.
[2] LECOMTE, padre Ernesto: Os Cuanhamas, In Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa, 1902, pp. 685-7.
[3] MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: Os Ambós de Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994, pag.36
[4] Ibdem, pag.36.
[5] A partir desta data a Republica da África do Sul integrou o território até 1990, altura em que emergiu o estado republicano da Namíbia.
 
[6] KEILING, Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de África. Fraião/Braga, Edição das Missões de Angola e Congo, 1934, p. 201.
 
 

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