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quinta-feira, 7 de março de 2019

JULIUS NYERERE: O LÍDER INCANSÁVEL

O pan-africanista levou o Tanganica à independência em 1961, tendo depois sido também Presidente da Tanzânia. Apesar das falhas, a sua política "Ujamaa" é reconhecida por ter dado à Tanzânia uma identidade nacional.

Viveu no Tanganica, que mais tarde se tornou Tanzânia, onde nasceu (em Butiama), em 1922. Estudou para ser professor na Universidade Makerere, no Uganda; e Economia e História na Universidade de Edimburgo. Morreu em Londres em 1999.

Reconhecido:

- Pelo seu nome suaíli "Mwalimu", que significa "professor". Nyerere deu aulas de Biologia e Inglês durante três anos antes de conduzir o Tanganica à independência. Foi o primeiro Presidente da Tanzânia unida.

- Pela sua paixão incessante por uma África unida. Contrariamente a Kwame Nkrumah do Gana, Nyerere optou, numa primeira fase, pela união regional da África Oriental. Já Nkrumah defendeu a união direta e completa do continente. Juntos idealizaram a Organização da União Africana.

- Pelo apoio dado aos africanos que lutaram pela liberdade. Depois de conquistar a independência para o seu país, Nyerere seguiu o seu ideal pan-africanista acolhendo e apoiando as rebeliões armadas contra os regimes de Moçambique, África do Sul, Namíbia, entre outros.

- Por ter traduzido William Shakespeare para suaíli. 

Durante a Guerra Fria, Nyerere não tomou partidos. Quando a República Federal Alemã pediu ao seu país que cortasse laços com a República Democrática Alemã, como previa a Doutrina de Hallstein, Nyerere recusou, correndo o risco de perder a ajuda alemã, e insistindo na soberania da Tanzânia. Nyerere disse que o seu país "não aceitaria ajuda que implicasse compromissos".

Criticado por: suprimir a opinião dissidente, abandonar outros lutadores da liberdade e ficar com toda a glória para si mesmo. Pensa-se também que Nyerere tenha estado contra a influência dos líderes islâmicos na Tanzânia. A sua política "Ujamaa" não foi bem sucedida na mudança do panorama económico da Tanzânia. Em 1985, Nyerere aposentou-se para abrir caminho para ajustes estruturais económicos no seu país.

 A Ujamaa

Com base na sua experiência como filho de uma grande família e a sua imersão no pensamento socialista da Sociedade Fabiana britânica, Nyerere desenvolveu um sistema de socialismo africano que previa a conexão do socialismo com a vida comunitária africana. O nome "Ujamaa" deriva do termo "família" em suaíli. Em contacto com Jomo Kenyatta do Quénia, Nyerere esteve disposto, a determinada altura, a deixá-lo ser o líder da África Oriental. Ofereceu-se mesmo para atrasar a independência do Tanganica para aguardar a independência dos três países da África Oriental na esperança de unificá-los. Os outros líderes da África Oriental não permitiram que isso acontecesse, o que não impediu Nyerere de perseguir o seu objetivo. Nyerere concentrou os seus esforços na unificação dos múltiplos grupos étnicos da Tanzânia e conseguiu-o, por exemplo, através do uso do suaíli como língua nacional.

 Frases famosas:

"Uhuru na kazi (Liberdade
e trabalho)".
"Nenhuma nação ou povo
tem o direito de tomar decisões por outra nação ou povo".
"A união não nos tornará
ricos, mas pode fazer com que seja difícil para África e os seus povos serem
desconsiderados e humilhados".
"A educação não é uma
maneira de escapar à pobreza, é uma maneira de lutar contra ela".
"Se o desenvolvimento
acontecer, as pessoas devem estar envolvidas".
 
Apesar das falhas, a sua política "Ujamaa" é reconhecida por ter dado à Tanzânia uma identidade
nacional.

No auge da luta da independência no continente africano, poucos nomes podem ser comparados ao de Julius Kambarage Nyerere. Em 1922 nascia em Butiama, na colónia britânica Tanganica, Kambarage, mais conhecido por Julius Nyerere. Filho de um chefe do povo Zanak, Nyerere teve um papel crucial não só na política do seu país, mas também ao nível do continente africano.

Nyerere estudou para ser professor na Universidade Makerere, no Uganda, tendo, mais tarde, e antes de se tornar político, dado aulas de Inglês e Biologia. Por respeito, chamavam-lhe "Mwalimu", que significa "professor" em suaíli.

Em 1949, foi estudar para a Grã-Bretanha, tendo sido o primeiro cidadão do Tanganica a fazê-lo. No país dos colonialistas, Nyerere foi-se aproximando cada vez mais da política no seu país de origem. Numa luta sem derramamento de sangue contra o poder colonial britânico, alcançou a independência do Tanganica em dezembro de 1961. Tornou-se primeiro-ministro e foi eleito Presidente do país um ano depois.

No entanto, estava longe de ser um chefe de Estado comum. Quando questionado sobre o que planeava para o futuro do Tanganica, Nyerere afirmou "não estar a fazer planos". "Acho que isso está a ser planeado pelas próprias pessoas do Tanganica", acrescentou.

Enquanto se manteve no poder, Nyerere foi sempre uma pessoa humilde e com os "pés bem assentes na
terra", frisa Victoria Bache, curadora assistente do Museu Nyerere, em Dar-es-Salaam. Segundo esta responsável, Nyerere "amava as pessoas. Não fazia discriminação, vivia como um plebeu. Há imagens dele a agarrar uma picareta, envolvendo-se na construção da nação com os outros".

Nyerere acreditava que o caminho para alcançar a prosperidade económica era através da união.
 
Política "Ujamaa"

Por fazer parte de uma grande família, Nyerere acreditava que o caminho para alcançar a prosperidade
económica era através da união. Por isso, desenvolveu no país um sistema de socialismo africano denominado "Ujamaa" - um modo de vida coletivo. Para implementar esta política, Nyerere moveu as pessoas das suas comunidades para aldeias artificiais Ujamaa, nem sempre com o consentimento dos moradores.

Outro passo para unir o povo da Tanzânia sob o chapéu da política "Ujamaa" foi a utilização de uma
linguagem comum: o suaíli.

Ainda que as suas ideias não fossem consensuais, até mesmo os críticos de Nyerere têm coisas favoráveis a dizer a seu respeito, explica o historiador Said Mohammed. "No meu estudo, a qualquer pessoa que pergunte vai dizer-lhe que Mwalimu é especial. Ele é incorruptível! Não se importava com o dinheiro ou com a riqueza", afirma.

Julius Nyerere deixou a Presidência do seu país, voluntariamente, em 1985, e morreu em 1999.

KWAME NKRUMAH E O IDEAL PAN-AFRICANISTA

O Muito Honorável Doutor Conselheiro Privado Kwame Nkrumah foi um líder político africano, um dos fundadores do Pan-Africanismo. Foi primeiro-ministro entre 1957 e 1960 e presidente de Gana de 1960 a 1966.

Kwame Nkrumah é conhecido pela sua visão de uma África livre e unida e por ter conseguido a independência do Gana do domínio colonial britânico, em 1957. Mas nem tudo na sua vida foi um triunfo.

Nasceu a 21 de setembro de 1909 em Nkroful, Gana. Morreu a 27 de abril de 1972, em Bucareste, Roménia.

 

Reconhecimento

 Ficou famoso pela luta pan-africanista, tendo levado o Gana à independência, em 1957. Foi o primeiro a ocupar o cargo de primeiro-ministro e Presidente. É substituído em 1966 depois de um golpe de Estad). Foi um dos pais da Organização da Unidade Africana (atual União Africana).

 

Críticas

 Chamaram-lhe marxista por simpatizar com o pensamento socialista. Uma visão que lhe trouxe inimigos dentro e fora do país. Alguns acreditam que os serviços secretos dos EUA foram responsáveis pela sua queda.

 

Inspiração

Nkrumah inspirou-se na luta de libertação afro-americana. Conheceu Martin Luther King enquanto estava nos EUA e leu W.E.B. Dubois, sociólogo pan-africanista e ativista de direitos humanos com quem trocaria ideias. Enquanto estudava na Grã-Bretanha, Nkrumah cruzou-se com muitos outros africanos que lutaram pela independência, como Jomo Kenyatta, Haile Selassie, Julius Nyerere e Rupiah Banda.

 

Frases famosas:

"Não enfrentamos nem o Oriente nem o Ocidente: enfrentamos o futuro."

"As revoluções são provocadas pelos homens, por homens que pensam como homens de ação e agem como homens de pensamento."

"A liberdade não é algo que um povo pode dar a outro de presente. Reivindicam-na como sua e ninguém lha pode tirar."

 

Polémica

 Em 2012, foi apresentada uma estátua de Nkrumah na sede da União Africana, em Addis Abeba. Mas porquê Nkrumah? Na Etiópia, muitos acharam que devia ter sido o ex-imperador Haile Selassie a ser distinguido por ser considerado o fundador da União Africana. No entanto, o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi optou por Kwame Nkrumah.

Kwame Nkrumah nasceu na colónia britânica então conhecida como Costa do Ouro. Em 1930, embarcou num navio rumo aos Estados Unidos para estudar. Mais tarde, mudou-se para a Grã-Bretanha onde estudou Direito.

Nkrumah esteve fora do Gana 12 anos e nesse período foi-se tornando cada vez mais ativo em organizações políticas africanas no exterior. Em 1947, decidiu voltar ao seu país e insurgir-se contra o domínio colonial. Foi aqui que fundou o Partido da Convenção do Povo (CPP), que tinha como slogan "Independência já!". Uma década depois, em 1957, Nkrumah tornou-se o primeiro primeiro-ministro do Gana independente. Na altura, os seus apoiantes aclamaram-no em massa. Em 1960, Nkrumah tornou-se o primeiro Presidente do Gana.

 

"Único e especial”

"Nkrumah foi especial e único no sentido em que não pensou apenas no Gana", considera Wilhelmina Donkor, professora de História da Universidade Kwame Nkrumah. Sonhava com os "Estados Unidos de África". Uma visão que, lembra Wilhelmina Donkor, "atravessou o continente". "Foi por isso que na altura da independência, em 1957, ele fez essa famosa afirmação de que a independência de Gana só estaria completa quando estivesse ligada à libertação total de todo o continente", lembra a professora.

Foi esta visão pan-africana que fez de Nkrumah uma figura venerada além-fronteiras. No entanto, alguns acreditam que isso fez também com que Nkrumah ignorasse os problemas no seu próprio país. No início, as suas tentativas de construir uma indústria no Gana foram promissoras.

Mas após o golpe de Estado que derrubou Nkrumah em 1966, o país herdou uma economia paralisada e investimentos avultados em fábricas que não produziam. Nesta altura, os ganeses comemoraram a saída do poder de Nkrumah.

No entanto, Mike Ocquaye, historiador e político ganês, chama a atenção para a era pré-Nkrumah. "Antes da saída de Nkrumah, faziam-se filas no estádio para se conseguir uma ração de açúcar. É verdade que as fábricas não funcionavam porque começámos a correr antes de podermos caminhar. Mas é importante que o povo não fale apenas sobre a visão [pan-africana]", defende.

Além do colonialismo, Kwame Nkrumah também lutou contra o capitalismo. Era um acérrimo defensor de um "socialismo africano" que pudesse unir a justiça social e as tradições africanas. Mas colocar a teoria em prática revelou-se uma tarefa difícil. A abordagem política de Nkrumah no próprio país era muitas vezes contraditória com o socialismo sobre o qual escreveu. Uma realidade que, segundo Wilhelmina Donkor, continua a ser um interessante tema de estudo, mesmo meio século depois. "Nkrumah era um líder muito interessante porque, por um lado, parecia ter muita retórica sobre o socialismo, mas, na realidade, nem todas as suas políticas eram necessariamente de orientação socialista", lembra a professora.

Fora do Gana, Nkrumah é lembrado sobretudo por defender vigorosamente a ideia de uma união política africana. Uma ideia que se tornou, em parte, realidade com a criação, em 1999, da União Africana, que reconhece Nkrumah como um dos seus fundadores.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

MANDUME YA NDEMUFAYO (1894-1917)


QUEM FOI MANDUME YA NDEMUFAYO (1911-1917)

 Durante muito tempo o Reino Kwanyama gozava do maior prestígio entre os povos vizinhos. Na zona ecuménica[1] viviam os Evale, os kuamato, chimba, cafima e bosquimanos (khoisan) com quem, circunstancialmente, os cuanhama faziam aliança, mas, note-se que, em épocas de grandes secas, os cuanhama não tinham dúvidas em aprisionar gado, mulheres e crianças entre os seus habituais aliados.

No Início do século XX, a rainha-mãe NdaKioli, estendia o seu manto sagrado pelos seus descendentes conferindo a cada um cargos à altura da sua dignidade. A rainha-mãe teve quatro filhos, Eyulu, Auficu, Nande e Hamaloi. Por volta de 1885 o padre Lecomte tornou-se amigo de Auficu que era muito inteligente. Estes personagens estavam permanentemente em perigo de serem envenenados, tudo por causa da legitimidade da subida ao trono. Escusado será dizer que se para o novo rei os missionários portugueses não estivessem em boas graças (tudo dependia do valor atribuído pelo rei às ofertas recebidas), bem podiam começar a fazer a mala e partir dos arredores da residência do soberano. Felizmente, Eyulu tinha desde há muito consolidado as relações com os missionários católicos, alemãs e inglesas, e distribuiu parte de sua família nestas missões para serem educadas.[2]

Embora o rei fosse absoluto, como acontecia com o rei do Kongo, dividia os distritos do seu reino pelos seus filhos e sobrinhos dando-lhes legitimidade para fazerem a guerra. Por este motivo cada distrito tinha os seus lenga (generais), que no caso de pedido de resgate de prisioneiros era com eles que as negociações se faziam.[3]

O rei vivia só com o seu séquito. Segundo Ramiro Monteiro o soba apenas vivia com as suas mulheres, os seus escravos e os seus soldados e as famílias conservam-se à distância, ao abrigo dos caprichos do chefe e das depredações da sua guarda.[4] Mas, apesar da aparente situação de sossego já se verificavam sinais eminentes de invasão de predadores imperialistas. Foi precisamente neste clima de permanentes tensões então instrumentalizadas especialmente por alemães e ingleses que nasceu Mandume.

Mandume Ya Ndemufayo terá nascido, provavelmente, em 1894. Ndemufayo cresceu durante um período de significativa agitação no reino Kwanyama, devido à presença de comerciantes europeus e missionários.

Terceiro na linha de sucessão para o trono Kwanyama, o príncipe jovem, destinado a ser rei, foi cuidadosamente treinado para o mando militar pelos poderosos comandos alemães (religiosos e militares) sedeados na Damaralândia, o então Sudoeste alemão (actual Namíbia) de 1884 a 1915.[5]

Também, desde muito jovem foi certamente iniciado pelos mais experimentados lengas nos primeiros passos para reconhecer os elementares sinais da cultura guerreira que lhe viria, mais tarde, a conferir legitimidade de liderança em futuras guerras pela hegemonia do poder centralizador Kwanyama, existe até um provérbio entre eles, aliás também kongo, que diz o seguinte:

“O homem deve ser considerado criança por todos antes de atingir o patamar da vida adulta. Deve permanecer subalterno antes de aceder ao poder, deve ser iniciado antes de poder governar.”

Filho de Ndapona ya Sikunde, educado numa missão alemã protestante, para além do português, Mandume dominava igualmente o alemão, o que lhe permitiu com a habilidade política que lhe era característica, tirar partido das rivalidades dos europeus, para preservar a independência do seu reino.

Aos 17 anos de idade, Ndemufayo assumiu o trono de forma pacífica (para as normas Kwanyama), sucedendo o rei Nande ya Heidimbi, provavelmente seu tio, e imediatamente mudou a residência real para Ndjiva (actual Ondjiva).

Como rei, Ndemufayo tomou algumas medidas reformatórias. No plano interno, ele emitiu decretos proibindo a colheita de fruta não amadurecida, para se proteger contra as secas, e o uso desnecessário de armas de fogo, um produto importante obtido de comerciantes europeus. Significativamente, ele também estabeleceu duras penas para o crime de estupro e permitiu que as mulheres tivessem o seu próprio rebanho, o que anteriormente era ilegal. De modo geral, o rei Ndemufayo procurou restaurar a riqueza e a anterior prosperidade Kwanyama contra um sistema decadente da liderança local.

Em relaçao ao Cristianismo, Ndemufayo tinha reputação de perseguidor dos cristãos dentro do reino Kwanyama, este facto deveu-se porque ele já tão bem conhecia os verdadeiros intentos por trás das missões. Numerosas famílias cristãs fugiram para o reino Ondonga dos Ovambos devido à sua perseguição. Ndemufayo também teve problemas com missionários portugueses da Igreja Católica Romana, bem como com alemães protestantes da Sociedade Missionária do Reno.

De igual modo expulsou do território Kwanyama os comerciantes portuguêses, denunciando a inflação dos preços que estes praticavam.

No entanto, na altura em que assumiu o poder, o reino passava por momentos extremamente difícil. A seca que devastava o sul de Angola de 1911 a 1916, atingiu especialmente a região dos Ovambos. As pretensões europeias (alemães e portugueses), em ocupar e dominar estes povos do sul, faziam crescer os avanços militares, face à resistência que se lhes opunham os povos desta região. Apesar dessa resistência os portugueses ocuparam Humbe e Evale. Mandume decide-se por constituir uma ampla coligação dos povos desta região, para fazer face ao poderio militar português. Comandados por Pereira d’Eça, os portugueses estavam fortemente armados de artilharia pesada, contudo teriam que combater cerca de três dias (18 a 20 de Agosto de 1915) em Omongwa (Môngua) para vencer o exército coligado de Mandume.

Para além da grande batalha de Omongwa, Mandume teve de travar com seus destemidos lengas mais outra grande batalha: a de Oihole (16 de Outubro de 1916) na qual terá perdido sua vida.

Nenhum colonizador europeu desafiou os reinos bem organizados e bem armados Ovambo até 1915 ao início da I Guerra Mundial, que coincidiu com uma seca enorme local. Durante a resistência em Omongwa, simultaneamente, as forças sul-africanas conquistaram a parte do reino Kwanyama anteriormente localizada no sudoeste alemão da África. Devido às grandes perdas, Ndemufayo foi forçado a colocar a capital Kwanyama na área do Sul da África Ocidental.

Em Fevereiro de 1917, após Ndemufayo morreu em batalha contra os sul-africanos por recusar submeter-se ao controlo destes. A causa da morte é contestada: registos sul-africanos mostram a sua morte por tiros de metralhadora, enquanto a história oral e popular angolana descreveu sua morte como suicídio, ao notar que já não tinha outra saída do que ter que se render aos colonizadores portugueses.

Uma terceira versão refere que Mandume foi abatido, em 1917, no decurso de uma batalha contra as tropas portuguesas. O rei dos Kuanyama foi decapitado e a sua cabeça foi exibida durante anos pelas autoridades portuguesas.

O padre Keiling apresenta ainda uma outra versão, considerada mais precisa deste acontecimento: “E virando-se para os sobrinhos (primos) os filhos do falecido Soba Weyulu, lhes perguntou se queriam ser muleques de brancos. Como eles dissessem que antes queriam morrer, o Soba, levando a espingarda à cara, prostrou-os com dois tiros, e virando em seguida a arma contra si mesmo, fez saltar os miolos”.[6]

Mandume Ya Ndemufayo faleceu em 6 de Fevereiro de 1917 na localidade de Ehola e segundo as duas versões conhecidas da sua história terá morrido em combate ou por suicídio para evitar a rendição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AFRONTAMENTO. História de Angola. 1965. Argel.

DUARTE, José Bento. Senhores do sol e do vento: Histórias verídicas de portugueses, angolanos e outros africanos, Lisboa, Estampa, 1999.

ESTERMANN, Carlos: Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro). Colectânea de artigos dispersos, Volume I, Lisboa 1983.

HAYES, Patricia e HAIPINGE, Dan (coords.). «Healing the Land»: Kaulinge’s History ofKwanyama, Rüdiger Köppe Verlag, Colónia, 1997, p. 97.

KEILING, Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de África. Fraião/Braga, Edição das Missões de Angola e Congo, 1934.

LECOMTE, padre Ernesto: Os Cuanhamas, In Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa, 1902,

MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: Os Ambós de Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994

PELISSIER, René. Historia das campanhas de Angola: resistências e revoltas (1845-1941) vol.2, Lisboa, Estampa, 1986.

ZOTOV, Nikolai, MALIKN, Vladislav. A África de expressão portuguesa: Experiencia de luta e de desenvolvimento, Moscovo, progresso, 1996.

 




[1] Leia-se periferia territorial.
[2] LECOMTE, padre Ernesto: Os Cuanhamas, In Portugal em África. Vol. 8 Nº 96, Lisboa, 1902, pp. 685-7.
[3] MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: Os Ambós de Angola antes da Independência, ISCSP, Lisboa, 1994, pag.36
[4] Ibdem, pag.36.
[5] A partir desta data a Republica da África do Sul integrou o território até 1990, altura em que emergiu o estado republicano da Namíbia.
 
[6] KEILING, Mons. Luiz Alfredo. Quarenta Anos de África. Fraião/Braga, Edição das Missões de Angola e Congo, 1934, p. 201.
 
 

NVEMBA NZINGA (DOM AFONSO I)


QUEM FOI NVEMBA NZINGA (DOM AFONSO I)

 

 

Quando Nzinga Nkuvu (D. João I) do Kongo faleceu em 1506, tendo subido ao trono seu filho Nzinga Mbemba, Afonso I do Kongo; rei cristão. Os partidários de Mpanzu-a-Kitima levantaram problemas políticos e religiosos. Após uma luta sucessória e fratricida na qual não faltaram tentativas, da parte de algumas facções nobres, em remover o cristianismo de que haviam sido excluídos, ascendeu ao trono Mvemba Nzinga (D.Afonso I), o mais importante rei da história luso-congolesa, chefe político e espiritual da catolização do reino do Congo. Isto porque, na verdade, seu pai, Nzinga Nkuvu (D. João I), não obstante convertido, logo abandonaria o cristianismo, pressionado por setores da nobreza que não aceitavam a nova religião. Para eles, ela não se mostrou eficaz contra os infortúnios que então assolavam o reino. Além disso, o rei e os nobres resistiam a aceitar a monogamia imposta pelos padres, um dos temas mais polêmicos na aceitação da nova religião, uma vez que a extensão da rede de solidariedades tecida pelos casamentos era peça fundamental nas relações de poder tradicionais.

Mvemba Nzinga conquistou o trono depois de lutas com seu irmão Mpanzu-a-Kitima e reinou por trinta e sete anos, de 1506 a 1543, sendo as bases do cristianismo no Congo estabelecidas em seu reinado. De acordo com John Thornton, Mvemba Nzinga Era profundamente dedicado ao catolicismo, impressionando os missionários com o seu saber e com a sua dedicação aos estudos[1]. Seu filho Henrique chegou a ser consagrado bispo (1518-1531), o que não foi visto com bons olhos pelo clero e pela coroa portuguesa, pois dessa forma diminuía o controle exercido pelo Estado por meio do monopólio da religião. Mas não foi apenas o cristianismo que floresceu sob o reinado de Mvemba Nzinga.

Antes de tudo, Mvemba Nzinga promoveu um autêntico “aportuguesamento” das instituições políticas do reino, em consonância com D. Manuel, rei de Portugal, que a isto o estimulou. Assim, a justiça do Estado passou a se guiar pelas normas portuguesas, a partir da embaixada de Simão da Silva, portador do Regimento de 1512, e os antigos chefes de linhagem das províncias passaram a intitular-se de condes, marqueses, duques. Trata-se de matéria riquíssima que não temos condições de desenvolver aqui, mas vale o registro de que, sob a inspiração política e institucional portuguesa, o Estado congolês foi perdendo as características tradicionais de confederação ou chefatura pluritribal para assumir, ainda que no plano das instituições e da etiqueta política, aspectos da monarquia ocidental, centralizando-se mais nitidamente - traço que sobreviveria ao reinado de Afonso I, perdurando até o século XVIII, não obstante as dilacerantes crises políticas que o reino atravessou no século XVII.

Por outro lado, Mvemba Nzinga recebeu grande ajuda dos portugueses para incrementar o comércio de cobre extraído em regiões ao norte do Congo que, trazido para a capital , tornou-se um meio valioso com o qual o rei podia adquirir mercadorias européias. Essas importações e o incremento no comércio, ao aumentar a riqueza do rei, permitiram assegurar a lealdade de nobres importantes, construindo a base de um longo e memorável reinado. Também o comércio de escravos com os portugueses, em fase inicial de implantação, tornou-se monopólio real com redes de comércio que chegavam a São Tomé, o centro de todo tráfico da África ocidental, e até mesmo ao Benin[2].

De 1510 adiante, a vida social do reino do Kongo gravitava entre dois pólos: o tráfico de escravos e o cristianismo, como afirma Georges Balandier:

 

“Desde meados do século XVI, no Kongo, a expansão cristã, o tráfico de escravos, o confronto de diferenças de civilizações, de certo modo antagónicas se inscreviam na mesma estrutura. E que aparece como esbouço ou caricatura daquela que a colonização moderna engendrará três séculos mais tarde”.[3]

 

Quando o comércio de pessoas fugiu do controle do rei, com mercadores desrespeitando as rotas estabelecidas e o monopólio real, Mvemba Nzinga escreveu ao rei português reclamando que até mesmo nobres congoleses estavam sendo capturados em guerras interprovinciais para serem vendidos como escravos. O comércio de escravos era antigo naquela região, mas as regras tradicionais estavam sendo violadas. Não apenas prisioneiros de guerra ou pessoas endividadas estavam sendo negociadas, mas as rotas tradicionais, controladas pelos chefes locais, estavam sendo ignoradas em prol de novos caminhos que burlavam o controle real. Tudo isso ameaçava o poder real com a evasão de tributos que lhe seriam devidos pelos privilégios tradicionais e o enriquecimento de chefes e comerciantes abalava as bases de seu poder. Somando-se a isso, a região do Ndongo (futura Angola), começava a atrair o interesse dos comerciantes portugueses que buscavam justamente fugir aos monopólios existentes no Kongo, concorrendo com o tráfico de escravos controlado pelo rei congolês e pelos comerciantes autorizados pelo rei lusitano.

Mvemba Nzinga enfureceu-se tanto, que baniu todo o comércio e ditou uma ordem de expulsão de todos os brancos, com excepção de professores e missionários. Porém, alguns meses mais tarde, acabou por revogar esta sua ordem.

Vejamos o extrato de uma carta dirigida a D. João III, sobre o não cumprimento das instruções régias por parte dos oficiais portugueses (6 de Junho de 1526). Os comentários interpretativos que surgem no decurso da carta é da autoria do historiador António Luís Ferronha:

 

“Senhor. – Em vinte e seis de Julho desta presente era nos chegou recado como um navio do trato de Vossa Alteza era chegado ao nosso porto do Soio, com a qual vinda nos prouve muito, por haver muitos dias que navio não veio a este nosso reino, para por ele sabermos novas de Vossa Alteza, o que muitas vezes desejamos saber como é razão que seja e isso mesmo pela grande e estreita necessidade em que estávamos de vinho e farinha para o santo sacramento e disto nos não espantamos tanto porque muitas vezes temos a mesma necessidade. E isto senhor, causa o muito esquecimento que os oficiais de Vossa Alteza de nós têm, e de nos mandarem visitar com as sobreditas coisas como temos sabido que lhe por Vossa Alteza é mandado e dado em regimento por ser tanto serviço de Deus e seu como é.

 

E estando com este contentamento por termos com que os seus ofícios divinos celebrasse o que as nossas gentes é muito necessário para sua confirmação e salvação nos veio outra nova de grande tristeza e nojo para nós em nos certificarem como a rainha D. Leonor nossa Irmã, era falecida da presente vida o que tanto sentimos e a tanto nojo nos obrigou quando Nosso Senhor é aquele que o sabe. E não fora pequena mezinha para nossa desconsolação e sentimento o sabermos por Vossa Alteza ante que por outra nenhuma pessoa de seu Reino por ser o estilo dos Reis cristãos e assim passou do Rei vosso pai, que santa glória haja, Vossa Alteza é certo que fomos feitura sua assim como o somos de Vossa Alteza e temos muita antiga e justa razão chorar e sentir seus falecimentos como por verdadeiro princípio e fundamento do bem que nos Deus Nosso Senhor tem mostrado. Em o crermos de que suas altezas, que santa glória hajam, tem tanto em crescimento ante Deus quanto foi o bem e o fruto e que em seu louvor neste Reino deixam fruto, o qual esperamos em sua misericórdia que para sempre seja firme, onde nunca haverá esquecimento para suas almas de contínuo se encomendarem a Deus, nos sacrifícios e bens que se nestes Reinos fizerem, o qual esquecimento não podemos a Vossa Alteza, o não haver assim por bem e seu serviço pois que o é, mas aos muitos grandes carregos e cuidados que sobre Vossa Alteza carregam com tais falecimentos e os outros que cada dia lhe acorrem estes seriam a causa de lhe não lembrarem nossas coisas. Senhor: Vossa Alteza saberá como nosso reino se vai se perder em tanta maneira que nos convém provermos a isso com o remédio necessário, o que causa a muita soltura que vossos feitores e oficiais dão aos homens e mercadores se virem a este Reino assentar com lojas, mercadorias e coisas muito por nós defesas, as quais se espalham por nossos reinos e senhorios em tanta abundância que muitos vassalos, que tínhamos à nossa obediência se levantam dela, por terem as coisas em mais abastança que nós, com as quais os antes tínhamos contentes e sujeitos e só nossa vassalagem e jurisdição que é um grande dano assim para o serviço de Deus como para a segurança e sossego de nossos Reinos e estado [proliferação de comerciantes, denuncia o “rei”, tendo em atenção que destrói o desenvolvimento económico do “reino” e cria insatisfação popular].

  

E não havemos este dano por tamanho como é que os ditos mercadores levam cada dia nossos naturais filhos da terra e filhos dos nossos fidalgos e vassalos e nossos parentes [e continua a sua denúncia, afirmando que os comerciantes de escravos já levam familiares seus, e o que queria era sacerdotes e não comerciantes] porque o ladrões e homens de má consciência os furtam com desejo de haver assim as coisas e mercadorias desse reino que são desejosos, os furtam e lhos trazem a vender; em tanta maneira Senhor é esta corrupção e devassidade que nossa terra de despovoa toda o que Vossa Alteza não deve haver por bem nem seu serviço. E por isso evitarmos não temos necessidade destes Reinos mais que de padres e algumas poucas pessoas para ensinarem nas escolas [sacerdotes para ensinarem] nem menos de nenhumas mercadorias [também denuncia a importação de mercadorias que ao fazerem concorrência com as do Congo criam uma situação conflituosa com o povo] somente vinho e farinha para o santo sacramento, porque pedimos a Vossa Alteza nos queira ajudar a favorecer neste caso em mandar a seus feitores que não mandem cá mercadores nem mercadorias, porque nossa vontade é que nestes Reinos não haja trato de escravos nem saída para eles; pelos respeitos sobreditos, outra vez pedimos a Vossa Alteza que o haja assim por bem, pois doutra maneira não podemos dar remédio a tão manifesto dano Nosso Senhor por sua clemência tenha sempre Vossa Alteza em sua guarda e lhe deixe sempre fazer as coisas de seu santo sacrifício a qual muitas vezes as mãos beijo. Desta nossa cidade do Congo escrita aos seis dias de Julho. D João Teixeira o fez de mil quinhentos vinte e seis anos. El-Rei D. Afonso.”


No verso da carta lê-se o seguinte: “ao muito poderoso e excelente príncipe D. João Rei nosso Irmão”
[Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Corpo Cronológico, Part I, Maç.34, Doc. 94].[4]

De todo modo, quando os portugueses chegaram à foz do Zaire, o Kongo, assim como outros reinos da região, estava em processo de franca expansão, como os registros de guerras frequentes atestam. A escravização das populações conquistadas permitia aos reis ampliar sua riqueza pessoal assim como fortalecer exércitos e o corpo administrativo composto por dependentes directos, além de aumentar o volume de tributos recebidos dos territórios ocupados. Assim, a expansão permitia o acúmulo de riqueza e um reforço da centralização política.

Quando os portugueses chegaram àquela parte da África, portanto, não só encontraram uma grande população cativa, como as condições necessárias para sustentar um amplo mercado de escravos, no qual havia espaço para os estrangeiros recém-chegados. No caso congolês, o próprio processo de centralização e fortalecimento das cidades frente às aldeias estava baseado na crescente existência de escravos, concentrados principalmente em mbanza Kongo, cujo trabalho era apropriado pelos membros das linhagens nobres que, assim, incrementavam sua riqueza, seu poder, seus sinais de status. Não só no Congo, mas em vários estados da África centro-ocidental os escravos eram resultado das guerras de expansão, sendo fundamentais na centralização e reforço das lealdades[5].

Mvemba Nzinga reinou nesse período, e apesar dos problemas que seu reinado enfrentou, expandiu as fronteiras do reino, fortaleceu a centralização do poder real, desenvolveu a capital, disseminou o cristianismo e a educação formal, valorizando sobremodo a leitura e a escrita. Não seria exagero ver em seu reinado, sobretudo do ponto de vista religioso e político-institucional, o processo que Serge Gruzinski chamou de ocidentalização, estudando o México na mesma época[6]. Lembrado até hoje como o mais poderoso rei da história do Kongo, Mvemba Nzinga (D. Afonso I), esse defensor implacável da fé cristã, assemelha-se em muitos aspectos ao ideal de rei missionário e cruzado, rei que combateu os infiéis com a ajuda de forças divinas, ampliou e consolidou as fronteiras da cristandade. As bases do catolicismo congolês fincaram raízes profundas no seu reinado, que se prolongou até quase meados do século XVI. Catolicismo que, não obstante, foi incapaz de remover por completo as tradições religiosas locais, do que resultou um complexo religioso original, híbrido, a um só tempo católico e bantu.

 
 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 BALANDIER, Georges. La Quotidianne au Royaume de Kongo du XVI au XVIII siècles, Hachette, Paris, 1965, p. 49.
 FERRONHA, António Luís Alves. As cartas do rei do Congo D. Afonso, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p. 151.
GRUZINSKI, Serge. La colonisation de l’imaginaire - l’ occidentalisation dans le Méxique. Paris, Gallimard, 1988.
MACGAFFEY, Wyatt. “Dialogues of the deaf: europeans on the Atlantic coast of Africa”. In: Stuart Schwartz, (org). Implicit Understandings. Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p.259; Kenny Mann. Kongo, Ndongo, West Central Africa. New Jersey, Dillon Press, 1996, pp.51-53.
THORNTON, John. “The Development of an African Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491-1750”, Journal of African History, N.25, 1984, p.155.
THORNTON, John. Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, Chicago, The University of Chicago Press, p.108-109.

 

 

          

 



[1] THORNTON, John. “The Development of an African Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491-1750”, Journal of African History, N.25, 1984, p.155.
[2] MACGAFFEY, Wyatt. “Dialogues of the deaf: europeans on the Atlantic coast of Africa”. In: Stuart Schwartz, (org). Implicit Understandings. Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p.259; Kenny Mann. Kongo, Ndongo, West Central Africa. New Jersey, Dillon Press, 1996, pp.51-53.
[3] BALANDIER, Georges, La Quotidianne au Royaume de Kongo du XVI au XVIII siècles, Hachette, Paris, 1965, p. 49.
[4] FERRONHA, António Luís Alves. As cartas do rei do Congo D. Afonso, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p. 151.
[5] THORNTON, John. Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, Chicago, The University of Chicago Press, p.108-109.
[6] GRUZINSKI, Serge. La colonisation de l’imaginaire - l’ occidentalisation dans le Méxique. Paris, Gallimard, 1988.