quarta-feira, 27 de agosto de 2025

OS PROBLEMAS DA ÁFRICA DE HOJE.


No mundo em que vivemos, a importância, a força de um continente pode-se medir por vários critérios: população, tonelagem de aço, nível intelectual (embora a riqueza cultural não tenha cotação na Bolça).

Ao olharmos para carta do globo, vemos nas altas latitudes do hemisfério boreal um conjunto de países ricos: a leste, a URSS; ao centro, a Europa; a oeste, os Estados Unidos. São estes os três gigantes (os dois extremos, os supergigantes) que dominam as actividades mundiais. O Japão e a China popular formam no extremo Oriente um “bloco” à parte.

O continente africano é o terceiro maior continente (em termos de extensão territorial), apresenta uma extensão de 30.300 000 km2, 54 Estados e uma grande diversidade sócio-cultural. As suas riquezas naturais fazem com que alguns economistas a considerem um el dorado.

Será que o continente africano está realmente acorrentado e, condenado a miséria perpétua conforme consideram certos autores?

Até que ponto as riquezas naturais de África são uma maldição ao invés de uma bênção?


África: seu lugar actual no mundo.

Num rápido olhar, o continente africano oferece hoje alguns dados que constituem um dos primeiros e maiores paradoxos do seu estado (Keita, 2009:11). Quanto à sua superfície, África ocupa o terceiro lugar (30 milhões de km2), atrás da Ásia (44 180 000 km2), da América (42 milhões de km2), mas de longe à frente da Europa, que tem somente cerca de 10 milhões de km2 e da Oceânia (9 milhões de km2, aproximadamente).

É um continente subpovoado, mas que possui potencialidades consideráveis, apontadas e cobiçadas por todos.

A sua indústria representava há poucos anos apenas 0,9 por cento da produção industrial mundial, enquanto a sua parte é maior no que diz respeito ao fornecimento de numerosos recursos naturais, bem como de produtos agrícolas (pelo menos em termos de capacidades).

Assim proporcionaria: cerca de 66% da extracção mundial de diamantes; cerca de 58% do ouro do nosso planeta; 45% do cobalto; 23 do antimónio (participando no fabrico de caracteres tipográficos) e dos fosfatos; 17,5 % do cobre e do manganésio; 15% do cromo e do petróleo; 66% do cacau; 40% do óleo de palma; 28% do amendoim.

Eis a África na actualidade; as referidas proporções tinham, dois séculos atrás, um carácter ainda mais desmedido, pois o resto do mundo dependia, em muito, dela (idem).

O lado irónico ou caricatural de tudo isto é que os preços de todos esses produtos são decididos e definidos no exterior, nas grandes bolsas de valores da Europa e da América do Norte (Jalée, 197, p. 7). Esta situação tem uma influência certa na resolução do desafio que colocamos no início, ou seja, uma (re)interrogação objectiva da História, a fim de devolver à África a sua “plenitude cultural”, segundo uma expressão bem feliz de Cheik Anta Diop (Apud, Keita, op cit, p. 14).

A realidade, no campo da investigação em ciências sociais e humanas, não desmente esta verdade com orçamentos nacionais obrigados, por injunção das Organizações Internacionais de Financiamento por “as prioridades estarem  noutros sectores”, aqueles mesmo definidos por elas, na medida em que são fornecedores de mais-valias para o desenvolvimento dos seus países (europeus e americanos).


Porque a África é tão pobre?

A África, depois de haver ocupado o primeiro lugar no decurso da Pré-História, sofre um atraso qualitativo. Certas regiões encontram-se ainda na Idade da Pedra. Outras vegetam sob o regime colonial. Outras ainda se debatem nas águas por vezes turvas de uma independência hipotecada.

Com cerca de trezentos milhões de habitantes em três biliões e meio que existem no mundo, a África tem uma população total nitidamente inferior à da Europa.

Apesar do seu potencial natural, Guest (2004:7) considera que o nível de vida das populações africanas não se ajusta com os números anualmente apresentados pelas grandes Bolsas de valor sobre a produção dos recursos do continente “berço”.

Considera ainda que o baixo nível de instrução das populações africanas, a pobreza estrema em que as populações africanas se encontram mergulhadas, a má distribuição dos bens públicos, os governos vampiros, as altas taxas de mortalidade infantil e materna, o crescimento sem precedentes de pessoas portadoras do vírus HIV, a existência de zonas potencialmente ao contagio de várias doenças, a corrupção dos seus governantes e os golpes de Estado, tornam a África realmente um continente acorrentado.

Procuramos apresentar este resumo devido a necessidade de conhecimento sobre os vários problemas que enfermam a nossa África. Como pode um continente potencialmente tão rico, apresentar os piores males na face da terra?

Até quando o tráfico de escravos, a escravatura e o colonialismo será apresentada como desculpa para os males da nossa África?

Segundo Robert Guest (idem), a África está num mau caminho e, o seu livro, é a tentativa dele de explicar porquê. Este livro é sobre as razões do porque a África é pobre, por isso, tem de tratar da guerra, da peste e de presidentes que pensam que o seu cargo é literalmente uma licença para imprimir dinheiro.

Neste trabalho apresentamos um único capítulo, onde todos os subtemas girarão entorno da temática porque a África é tão pobre.

A África sofreu e continua sofrer com uma dose de maus líderes. Os mais tiranos, como Ide Amin e Mobuto Sese Seko, são bem conhecidos. O que é menos conhecido é que os seus líderes bem intencionados também lhe causaram graves danos. Julius Nyerere, o venerado primeiro presidente da Tanzânia, esperava sinceramente fazer o seu povo mais feliz e próspero, forçando milhões de tanzanianos a trabalhar em herdades colectivas gigantes, mas em vez disso quase destruiu a capacidade do seu povo para se alimentar (Guest, 2003:6).

Qualquer país habitado por seres humanos tem potencial para enriquecer. Em termos históricos, a maldição da África não é exclusiva. A forma como os africanos vivem hoje não é muito diferente daquela como os europeus viviam antes da Revolução Industrial. De facto, os africanos modernos vivem mais anos do que os europeus e americanos viviam antes do século XX, em grande parte porque muitos medicamentos úteis que foram inventados noutro lado — os antibióticos, por exemplo — tornaram-se suficientemente baratos para os africanos os comprarem (idem, p. 8).

Não dá grande conforto aos africanos, na verdade, ouvir contar que há cem anos outras pessoas igualmente pobres.

Alguns africanos culpam a Geografia. É sem duvida um factor. Os vitorianos acreditavam que o calor retira energias e esgota a força de um homem. Um laço mais correcto entre clima e pobreza é o de que os países quentes são palco de toda uma série de doenças que afectam tanto as pessoas como gado. A África tem as piores: malária, febre-amarela, raro e mortífero vírus como o Ébola, e uma legião de parasitas que sugam as energias.

Beba-se um copo de água na Nigéria, por exemplo, e poder-se-á ficar infestado de lombrigas e vermes-da-Guiné. Mas os africanos não podem fazer grande coisa acerca do clima que permite evolução destes horrores e é eficiente quando se está a braços com parasitas ou a tremer de febre.

Outro culpado popular para os males de África é a História. Muitos africanos defendem que os actuais problemas do continente decorrem em grande parte dos traumas a que os europeus sujeitaram a África, a escravatura acima de todas.

É um argumento emocional. Nos séculos XVII e XIX, milhões de africanos foram raptados, acorrentados, postos nos porões fétidos dos navios de escravos e transportados para o outro lado do Atlântico. Muitos morreram antes de chegarem ao destino.

Os colonialistas deixaram cicatrizes profundas. Mas também deixaram para trás coisas úteis como estradas, hospitais e leis.

Se o colonialismo era o que atrasava África, esperar-se-ia que, quando ele acabou se verificasse uma explosão de crescimento. Não foi o caso (ibidem, p. 9).

Talvez o problema seja que o legado do colonialismo continua presente, mesmo depois de os colonos terem partido. Até certo ponto isto é uma verdade.

Segundo Joseph Ki-Zerbo (1999:365), certos Estados dão à África, com uma mão muito caridosa, aquilo que com a outra lhe retiram, espoliando-a de maneira nada caritativa. As fronteiras de África ainda são fonte de problemas. Isto causa frequentes tensões e por vezes faz correr muito sangue.

Mas os países africanos decidiram por si mesmos não corrigir as fronteiras coloniais, com medo de que isso originasse novos conflitos, em lugar de acabar com os antigos.

Alguns africanos defendem que o seu continente foi traumatizado pelo que Steve Biko, um revolucionário sul-africano chamou de “a colonização do espírito”. Os governantes brancos julgavam inferiores os seus subordinados negros.

Mesmo hoje, ainda há quem defenda que a falta de confiança dos africanos os impede de desenvolver todos os seus potenciais. Pode ser assim uma certa medida, mais de 70% dos africanos de hoje nasceram já depois da independência. E os exemplos de outros países sugerem que as desagradáveis experiências coloniais não condenam necessariamente um país à penúria eterna (ibidem, p. 12).

A Coreia, por exemplo, foi anexada pelo Japão em 1910 e libertada apenas quando a América lançou bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagazaque. Enquanto governaram a Coreia, os colonialistas japoneses tentaram destruir a cultura local e submeter a população à servidão.

A língua coreana foi banida, os coreanos impedidos de aceder à universidade e profanados sistematicamente os mais sagrados locais de culto coreanos nas montanhas. Enviaram jovens coreanos para o Japão para trabalhos forçados nas minas e fábricas de munições, ou obrigaram-no a servir no exército imperial. Arrebanharam mais de cem mulheres coreanas, algumas com apenas doze anos de idade, para servirem de escravas sexuais nos bordéis militares. E as provações terminaram com a libertação. Pouco depois de os colonialistas japoneses partirem, a Coreia mergulhou numa guerra civil que custou um milhão de vidas e dividiu o país ao meio.

Com uma história tão traumática, a Coreia teria todas as desculpas para falhar ao nível do desenvolvimento. Mas a parte sul, capitalista, que era tão pobre como o Gana em 1953, é hoje vinte vezes mais rica.

 A formosa, Hong Kong, a Malásia e Singapura — tudo ex-colónias — são todas ricas e pacíficas. Como o são a Irlanda, a Austrália e Massachustts. O legado colonial de África, embora influente, não pode explicar tudo o que está mal hoje em dia (ibidem, p. 13).

Outro problema que tem de culpar a herança do colonialismo pelos males actuais de África é que nos dá poucas pistas para resolver esses mesmos males. A História, como a Geografia, não pode ser mudada. Queixamo-nos dos erros do passado, é natural e humano, mas também pode fornecer uma desculpa para o desespero.

Se os problemas de hoje são da responsabilidade do Ocidente, a solução óbvia é exigir ao Ocidente que os resolva.

Desde a independência que os governos africanos têm falhado ao que prometeram ao povo. Poucos dão ao cidadão comum a liberdade de cavar a sua fortuna sem embaraços oficiais. Poucos defendem a lei, dão valor a contratos ou salvaguardam os direitos de propriedade. Muitos são descaradamente predatórios, servindo de meio a uma pequena elite para extrair dinheiro de todos os outros cidadãos.

Os governos de rapina tornam geralmente os seus países mais pobres, como acontece na Nigéria e na República Centro Africana. Pior: quando o poder confere riquezas, as pessoas por vezes lutam por ele, como no Congo e na Libéria.

O poder não vigiado é uma estrada aberta para os ricos, especialmente em países com abundantes recursos naturais. A África tem recursos fabulosos em minerais preciosos, o que é uma razão para tanta gente estar pronta a lutar por uma fatia de poder. A riqueza mineral de África deixa de ser uma maldição para ser uma bênção.

Outro obstáculo à prosperidade de África é a Sida. Apesar de todos os avanços da medicina moderna, a esperança de vida caiu em grande parte de África nas últimas duas décadas;

A pobreza acelera a epidemia. Quem não tem dinheiro para comprar uma televisão, passa o serão a fazer outras coisas. Muitos africanos não tem dinheiro para comprar antibióticos e portanto não podem tratar doenças sexualmente transmitidas, o que abre feridas para o HIV entrar.


Os africanos ainda não são livres.

 Os africanos são pobres em grande parte porque ainda não são livres. Vivem sob o jugo de governos predatórios e incompetentes, que têm enorme dificuldade em afastar (ibidem, p. 40)

Os seus governos empobrecem-nos de muitas formas; pela corrupção, com políticas económicas desastrosas e por vezes, como no caso do Zimbabwé, criando uma atmosfera de terror que atemoriza o mais intrépido homem de negócios e investidor potencial.

Em teoria, a maioria dos africanos são livres de destituir os seus governantes, mas na prática as dificuldades são enormes.

Em nenhuma outra parte do mundo os governantes demonstraram tanta habilidade para manipular uma eleição como em África. O regime de Mugabe tornou-se parecido com uma ténia nos intestinos do Zimbawé, alimentando-se com os frutos do trabalho dos outros, roubando as forças à nação.

Ao contrário das ténias, porém, Mugabe e os seus apaniguados mostram-se bem mais difíceis de exterminar que os parasitas intestinais.

Nas eleições de Julho de 2000, viu-se em primeira-mão até onde eles estão dispostos a ir para se manterem no poder (idem, p. 53). Era uma eleição legislativa e não presidencial, pelo que o lugar de Mugabe não estava em causa. Mas o velho senhor estava, mesmo assim preocupado. O MDC só estava activo há poucos meses mas parecia disposto retirar a maioria parlamentar à ZANU. Mugabe respondeu oferecendo terras gratuitas aos seus apoiantes e raios de bicicleta afiados aos seus adversários.


Que os medicamentos que podemos administrar neste “paciente”.

Na perspectiva de Ki-Zerbo (1999:367), três remédios podiam ajudar a relançar a África neste triplo campo: a produtividade, o esforço de autonomia e a unidade.

A produtividade é a chave do progresso. A África em relação ao pelotão da frente (as superpotências mundiais) conserva uma velocidade constante, se é que, tendo em conta o desenvolvimento demográfico, a sua progressão não está uniformemente retardada.

O segundo meio é a formação dos homens. Este ponto é importante e de tal maneira evidente que se torna desnecessário insistir nele. Depois será necessário pormos todos ao trabalho (ibidem, p. 368). É imperioso encorajar o espírito de empreendimento e de criação a longo prazo.

Os asiáticos, talvez sob pressão do número, compreenderam o sentido do esforço constante. Dois países, Japão e a China, com duas ideologias diferentes, conhecem um progresso prodigioso. A África, por falta de capital financeiro, deveria pois utilizar ao máximo o capital-trabalho. Só o assentamento de novas estruturas e a criação de pólos autóctones de desenvolvimento permitirão encontrar uma saída.

A terceira saída para a resolução dos problemas da África é a unidade, porque só assim os africanos poderão promover a economia da África.

A África nova, esta África que se apresentará cada vez mais “sem fronteiras”, deve escolher entre ser um objecto da história e uma força actuante a escrever a sua própria história. E, se me pedissem que indicasse, por ordem de prioridade, os elementos que dependem dos próprios africanos, os dois factores-chave desta promoção eu designaria a formação dos homens e a unidade (Ki-Zerbo, idem, p. 371).

E, se insistissem em que eu escolhesse ainda entre os dois o factor decisivo, faria minhas de bom grado as palavras do sábio antigo: «Dêem-me uma alavanca e levantarei o mundo.» Eu traduziria: «Construamos a unidade e faremos arrancar a África».



Referências bibliográficas

GUEST, Robert. África, Continente Acorrentado. O passado, o presente e o futuro da África, civilização editora, (s/l), 2004.

JALÉE, Pierre. A Pilhagem do Terceiro Mundo, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1973.

KEITA, Boubakar N., História da África Negra, 1ª edição, Texto Editores, Luanda, 2009

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, IIº volume, 3ª edição, Publicações Europa-América, 1999.

A CONFERÊNCIA DE BERLIM E A PARTILHA DE ÁFRICA

INTRODUÇÃO 


No final da década de 70 do século XIX, a ocupação europeia apenas se fazia sentir em pontos do litoral africano. Mas no alvorecer do século XX, quase toda África se encontrava às mãos do domínio europeu.

Que razões levaram a uma tão rápida e vertiginosa ocupação do continente africano?

Para além das razões de ordem econômica, comuns às potências européias empenhadas [e de tal modo comprometidas] no processo de industrialização, e que foram determinantes a partilha da África, feita de uma forma tão precipitada, foi o resultado da intervenção do rei da Bélgica, Leopoldo II, e da Alemanha que, anteriormente, não tinham demonstrado interesse pelo continente africano.

Assim, desconhecido o Centro africano, para a penetração nela, as embocaduras do rio Congo ou Zaire tornar-se-á o cerne das atenções e das mais puras situações litigiosas entre as grandes potências européias. É por meio desta que surge a idéia da criação de uma conferência, realizada em Berlim, entre Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, uma reunião que, a pesar de vários assuntos abordados, teve fito a resolução das questões mais particulares da região do Congo.

Por conseguinte, este breve trabalho cinge ou tem como foco temático a conferência de Berlim, o qual através de uma recolha bibliográfica procura responder algumas questões relacionadas às razões mais profundas da realização da conferência de Berlim, os motivos intervenientes à tão acirrada simpatia europeia pela África, o caso Leopoldo II e os problemas relacionados ao Congo, as principais cláusulas da Acta Geral e a questão da ocupação efectiva e a subseqüente partilha e divisão da África. Estes são os pontos a serem delineados nas páginas a seguir.



1. O Processo de “Roedura” do Continente.

O processo de roedura da África teve um começo anterior a conferencia de Berlim, com a estada dos portugueses por volta de 1430, devido a necessidade de manutenção do reino de Portugal, em primeiro momento pela busca de cereais para reabastecer a economia de subsistência e em segundo, a intenção de chegada às índias, que pelo caminho, favoreceu a um comércio de especiarias e metais preciosos. Tudo financiado pela coroa Portuguesa.

Visto que os turcos otomanos haviam bloqueado o acesso às Índias via terra de Tânger até a região de Safim, o rei de Portugal enviou viajantes exploradores à procura de rotas marítimas. É assim que em 1434, estes viajantes chegam ao Cabo Bojador iniciando a extração de escravos e ouro muçulmano.

Em 1455, Cadamastor, um veneziano a serviço de Lisboa, chegou ao rio Gâmbia (uma das principais vias de acesso ao interior do continente). Em 1456 entrou em contato com o império do Mali no rio Grande.

Devido ao reforço e proteção do expansionismo português ao rei, foi criada a bula Romanus Pontifex, que ameaçava de excomunhão os que burlassem o monopólio ultramarino ortougado pelo papa Nicolau V.

Em 1456, Cadamastor relatou que chegara á diversos portos de trocas, que era onde se fazia escambos [câmbios], nestes locais um cavalo chegava a valer 20 escravos.

Em 1482 é construído o forte e castelo de São Jorge da Mina, uma das primeiras ao sul do Saara na Costa do Ouro ou Golfo da Guiné, onde era obtido ouro e escravos.

De 1482 até meados do século XVI, foram vendidos cerca de 300 mil escravos neste castelo (vindos da costa dos escravos e do Congo).

A expansão territorial portuguesa continua em 1483, por Diogo Cão, que procurando o caminho das Índias, subiu o rio Congo e encontrou o reino do Congo.

Em 1512, um mani [senhor], o Manicongo se declarou convertido ao cristianismo e opondo-se as linhagens rivais “animistas” recebeu o nome de D. João I e converteu boa parte da Nobreza. O reino do Congo durou até 1665.

Essa mudança de nome do reio Congo se apresenta como um mecanismo de dominação, visto que, a religião e todo o processo cultural foi “apagada”, onde descaracteriza a vida real dos africanos em uma submissão, adequando-se a nova realidade, ainda mais com os dogmas religiosos do cristianismo.

Nesta expansão territorial portuguesa vale ressaltar a viagem de Bartolomeu Dias, quando dobrou o Cabo da Boa Esperança (1487). Que dois séculos mais tarde seria rota para a fundação da Colônia do cabo, em 1652.

Logo no séc. XVI, a região ocidental da África, uma região centrada em 80 km entre o litoral e o interior, era alvo do interesse comercial de Portugal e tornou-se no centro de produção e circulação de negros feitos cativos. Foram retirados de Pinda e Angola cerca de 4 mil negros, apenas no ano de 1530. No entanto, a ocupação a leste, às margens do Indico foi bem menor. No que se refere em particular a Moçambique, destaca-se a exportação de ouro para Euzerate, Goa e Kannare, e de marfim. Já a exportação de cativos foi baixa, vindo a crescer em 1871 em decorrência da retração da África Ocidental. Situação diversa para Angola, que centrou as exportação para a complementação da colonização portuguesa no Brasil. No quadro da política colonial, foi no Brasil que a atividade escravista tornou-se significativamente mais elevada.

Portanto o processo de “roedura” começa a se esboçar com os portugueses, pois como demonstra a citação, a espoliação africana, tanto nas riquezas, quanto a dos negros, demonstra em certo modo uma economia baseada na apropriação ou até um pré-imperialismo, embora os portugueses não fossem imperialistas.

A forte importância do tráfico negreiro se deu em 1575, quando as Américas portuguesas, francesas, britânicas e espanholas, tornaram-se um mercado crescente para os negreiros. Na política colonial, o trabalho escravo tornou-se mais acentuado no Brasil entre 1648 e 1850. e saíram de 10 a 11 milhões do continente africano em quatro séculos. Uma cifra que o tráfico transaariano só atingiu em dez séculos.

Este processo se alimentava da troca de negros feitos cativos por aguardente, tabaco, cavalo para montaria, manufaturados europeus e armas de fogo. Não se duvidava do grande interesse de metrópoles européias pelo tráfico do Atlântico. À medida que o tráfico diminuía, aumentavam a expansão européia e a “roedura” da África.

Até 1880, o controle político direto era muito reduzido, limitando-se a pequenos enclaves, meras plataformas comerciais. Pode-se citar o caso de Gabão, pequena base naval e uma comunidade de escravos libertos. Eram exceções; colônia de Cabo, África do Sul, Freetown e Saint Louis.


1.1 Missionários e exploradores.

Foi com o desempenho de missionários e exploradores que o continente começou a ser efetivamente rasgado. Os primeiros, em especial a partir de 1830, eram anglicanos, metodistas, batistas e presbiterianos a serviço da Grã Bretanha. Sob o argumento de que era preciso “salvar as almas dos selvagens” e “pôr termo ao massacre dos negros”, escondia-se a idéia da conquista da África pela Europa.

É importante destacar que a evangelização cristã, fosse católica ou protestante, tinha três pontos em comum:

1.º Empreender a conversão dos africanos ao cristianismo e ao conjunto de

valores próprios da cultura ocidental européia;

2.º Ensinar a divisão das esferas espiritual e secular;

3.º Pregação contrária a uma série de ritos locais.

Em síntese, é inegável a contribuição do trabalho missionário na abertura do continente. Os exploradores carregavam um espírito aventureiro despertado pelo imaginário sobre a África. Formado pelos relatos de monstros e noutra vertente vigorava a idéia de existência de reinos riquíssimos e misteriosos.

O que deu impulso decisivo à exploração do continente africano foi a procura por grandes eixos de acesso ao interior e a busca pela nascente do rio Nilo e outros rios para o conhecimento da região, de maior importância para os interesses, sobretudo da Inglaterra e França.

Vários exploradores fizeram viagens com papéis de grande relevo para explorar a África e descobriram a nascente do rio Nilo e os cursos de outros rios e lagos. Essas viagens destacaram-se pela importância e pela divulgação que tiveram. O conceito geral do problema das explorações trazia embutidos os objetivos de controlar os principais cursos dos rios, em conseqüência, fornecer produtos de suas circum-vizinhanças, e de estabelecer tratados diplomáticos com os principais chefes africanos.

Merecem destaque as viagens de Serpa Pinto que se realizaram entre novembro de 1877 e março de 1879 e deram a conhecer vastos territórios de Angola e Moçambique, alimentando o sonho português do mapa “cor-de-rosa”.

Finalmente a importância dessas viagens exploratórias, que não só deram continuidade como também aceleraram o processo de “roedura” do continente se foram tornar em acaloradas discussões sobre a partilha numa reunião de verificação.


2. Os antecedentes da conferência e o início da corrida. 

A áfrica foi o ultimo continente, depois das Américas e Ásia e outros, que no século XIX atraiu a atenção das potencias européias na sua expansão colonial, porque o consideravam menos proveitoso do que os restantes. Algo de bastante diferente aconteceu no continente americano, que se emancipou das respectivas metrópoles, ou o que aconteceu na Ásia, onde a colonização foi levada a cabo em zonas bem delimitadas: os franceses no sudeste e os ingleses no Sul.

Ate aos anos 80 do século XIX, a acção dos europeus no continente africano estivera limitada, sobretudo, a pontos estratégicos, com vista a garantir as rotas comerciais e de navegação. Só foi importante no Norte a partir da instalação francesa na Argélia (1830) e devido aos interesses europeus na costa mediterrânica. Poderia dizer-se que antes de 1880 a África era praticamente um continente desconhecido e que a presença europeia só se fazia sentir no Norte: uma vez que a Argélia era dominada por franceses, enquanto no Egipto e na Tunísia começava o domínio europeu. Na África Ocidental, a frança estabelecera um enclave no Senegal e a Grã-Bretanha na Costa do Ouro; também havia presença inglesa na Gâmbia, na Serra Leoa e em Lagos, mas tratava-se sempre de pequenos enclaves na Costa, sem que a penetração chegasse ao interior do continente.

Na Costa Ocidental, os portugueses estavam na Guine, em Cabo Verde e São Tome e Príncipe e os espanhóis em Fernão Pó (Guiné Equatorial); o Gabão era, mais do que uma colônia, um mero enclave dominado pela França; seguindo a Costa para o Sul, Angola era portuguesa, com algumas penetrações através de rotas comerciais, tal como se passa com Moçambique, na Costa Oriental. No extremo Sul, a colônia do cabo era inglesa desde 1814, após a sua cadência pelos países baixos. Os Bóers, que a ocupavam desde 1852, emigraram para o Norte a partir de 1835. os ingleses também dominavam a zona da Zâmbia e os franceses controlavam a parte de Madagáscar. E, por ultimo, na zona Norte, a pretexto da construção do canal de Suez, a França estabeleceu-se em Obock (Djibuti), em frente da base britânica do Aden.

O processo de ocupação e exploração da áfrica terminou em 1914, quando só restavam dois Estados independentes: a Libéria e a Etiópia. Assim o território africano se tornou o cenário de uma encarniçada concorrência entre as potencias européias que agitou o plano das relações internacionais. Foi certamente fácil para os europeus dividirem a África entre si. Dividiram o continente, aproveitando a hegemonia da Europa no mundo, sem outros critérios além da procura dos seus interesses particulares.

Ao interrogar-se acerca das razões desta divisão, R. E. Robinson aponta que não existiu nenhuma causa ou propósito amplo e que poucos acontecimentos que lançaram todo um continente para uma empresa foram produzidos de uma forma casual. Só depois da divisão o capital procurou saídas e a industria mercados na África tropical. Robinson conclui que o imperialismo não foi a causa da divisão, mas antes um dos seus efeitos marginais. Para este autor, as mudanças cruciais tiveram lugar no próprio continente africano. E cita dois: a crise da África do Sul e a tentativa de derrubar o quedivato com a revolução egípcia de 1882, conflito em que a Europa se viu seriamente envolvida.

As complicações com o protonacionalismo egípcio e, por conseguinte, com o ressurgimento islâmico em todo o Sudão, bem como a bancarrota da década de 70, foram factores decisivos que fez com que se chegasse à divisão e isso porque à catástrofe financeira se seguiu à catástrofe política.

De uma etapa em que parecia que não importava a ninguém a expansão pelo continente africano passou-se, na década de 80, para outra radicalmente diferente. Todo continente, em especial o centro, a África Subsaariana, transformou-se em foco de interesse e rivalidade para vários países europeus que queriam alargar a sua área mundial de influencia e seus domínios.


2.1 Leopoldo II e os problemas no Congo.

Inicialmente, o problema levantou-se em torno da bacia do rio Congo, onde teve um papel decisivo o duque de Brabante, coroado rei dos belgas em 1865, sob o nome de Leopoldo II. A exploração da África não só se tornou a sua grande obsessão, mas também uma magna empresa política e econômica. Já antes de ascender ao trono, Leopoldo II sonhava com projectos coloniais e tinha o desejo de que a Bélgica participasse na expedição à China em 1860. A partir de 1876, foi dos poucos que participaram nesta empresa com objectivos definidos. Nesta mesma data reuniu os mais importantes geógrafos do mundo para realizar um congresso em Bruxelas, donde sairia a Associação Internacional Africana (AIA), da qual ele próprio seria presidente de honra. Por essa altura, tivera grande eco por todo o mundo a espetacular viagem que o britânico Henry Morton Stanley[1], realizara por África, atravessando-a de Leste a Oeste e descobrindo o Curso superior do rio Zaire ou Congo.

Este último facto chamou a atenção de Leopoldo II, que contactou com Stanley e fundou um Comitê dÉtudes du Haut Congo em 1878 como centro dependente da AIA e enviou o explorador para Congo a fim de estabelecer ali as bases da zona de influência belga. Em quatro anos conseguiu assinar muitos tratados com os chefes da zona, mas então surgiu o primeiro problema. Pierre Sarvagnan de Brazza, italiano naturalizado francês, explorara a bacia inferior do Congo e conseguira que o rei Makoko, chefe dos Bateke, ficasse com a soberania protectora da França (1879-1882). Ficava, pois, a margem direita sob ocupação francesa, facto ratificado pelo parlamento Francês. Por outro lado, Portugal queria fazer valer os seus direitos históricos sobre a foz do rio Zaire ou Congo e assinou com os britânicos uma convenção para que estes fossem reconhecidos.

Desta forma, em 1883, o rio congo transformara-se no centro de sérias disputas entre as potências coloniais européias. A frança constituiu o Congo Francês na margem direita do rio (mais tarde, parte da África Equatorial francesa) e Leopoldo II agia como comerciante individual e como presidente da Associação Internacional Africana ou do Congo, ocupando as maiores e melhores zonas do território centro-africano explorado por Stanley e anteriormente por David Livingstone[2]. O território formou o Congo Belga ou, como lhe chamou o seu fundador, o Estado Livre do Congo.


2.2 Os problemas originados na ocupação de áfrica.

A partir de então, o problema da posse de territórios africanos tornou-se latente para as potencias européias. A França encontrou-se frente a uma nova potência, a Bélgica, que lhe interceptava o caminho na sua expansão. A Portugal deparava-se o facto de a sua antiga situação se alterar como conseqüência da chegada de novos colonizadores. Havia, em suma, países com antiguidade em questões africana face às novas potências coloniais.

Quem tinha o direito de ocupar a África?

O problema era difícil de resolver porque cada país agia em função dos seus interesses, embora manifestassem que o faziam em defesa do liberalismo, da civilização e do cristianismo. Um exemplo bastará. No plano internacional, as potências européias, após a ratificação pelo governo francês do tratado Makoko, começaram a inquietar-se ao verem prestes a ficar sob o domínio francês uma região muito favorável ao desenvolvimento do comércio europeu. A Grã-Bretanha, receando as altas tarifas praticadas pela França, assina com Portugal o tratado de 26 de Fevereiro de 1884, reconhecendo a soberania portuguesa na costa Ocidental africana compreendida entre os paralelos 5º 12´ e 8º de latitude Sul.

Desse tratado Portugal e Grã-Bretanha acordaram o seguinte:

  1.   A liberdade de comércio e navegação no Zaire e Zambeze;
  2.   Livre circulação das mercadorias inglesas nos territórios sob domínio de Portugal;
  3.  Privilegio a Grã-Bretanha do estatuto de nação mais favorável nas relações comerciais com as colônias africanas de Portugal.

 Este tratado suscitou imediatamente forte oposição por parte de Leopoldo II apoiado por França, da Alemanha, bem como os Estados Unidos e até da própria opinião pública britânica. Mas, como o governo britânico, que nessa altura vivia o problema egípcio e precisava de apoio para resolvê-lo, esqueceu o tratado, deixando os portugueses sozinhos. Tudo, por fim, eram jogos diplomáticos.

Por isso, Portugal sentindo-se completamente isolado, lança a idéia de uma conferência internacional, esperando ver reconhecido os seus direitos históricos sobre a embocadura do Congo. De acordo com Goodfrey Uzoigwe[3], essa idéia é retomada a posterior pelo Chanceler Otto Von Bismark da Alemanha, que, depois de ter consultado outras potências, como Alemanha, foi encorajado a concretizá-la, embora Bismark tivesse objectivos diferentes dos de Portugal. O qual, perante a vaga de protestos suscitada pelo acordo Luso-britãnico de 26 de Fevereiro de 1884, quis confirmar a sua imagem de árbitro das relações internacionais na Europa, sem deixar de acalentar o sonho de desviar a França da Alsácia-Lorena, encorajando as suas iniciativas ultramarinas

Estas eram, em resumo, as questões que se apresentavam como geradores dos conflitos e às quais a conferência de Berlim devia dar uma resposta urgentemente: a intervenção de Leopoldo II da Bélgica no Congo; os problemas que levantava a penetração da frança desde o Senegal para leste e Sul, como no Congo; a presença e a permanência dos britânicos no Egipto, com a penetração em direcção ao Nilo, e na África Austral, pressionando os bóers; a entrada em cena da Alemanha como o seu estabelecimento nos Camarões, Togo, Tanganhica e África do Sudoeste (1884); os problemas dos portugueses em Angola, Moçambique e na foz do rio Congo.


3. A Conferência de Berlim.

Entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885[4] realizou-se em Berlim uma conferência de potências, presidida por Bismark, o então árbitro das tensões, para se tentar resolver a situação provocada pela expansão em África.

A Conferência contou com a participação de 15 países, 13 pertencentes à Europa, dentre os quais a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Bélgica, a Dinamarca, a Espanha, a França, a Inglaterra, a Holanda, a Itália, Portugal, a Rússia, e a Suécia e o restante advindo dos Estados Unidos e da Turquia.

Apesar dos Estados Unidos não possuírem colônias no continente africano, era um poderio que se encontrava em fase de crescimento, visando assim à conquista de novos territórios. Na mesma situação se encontrava o país sede da Conferência, a Alemanha, que desejava também conquistar para si algumas colônias.

Vários temas foram abordados durante a Conferência, porém, o objetivo maior era a elaboração de um conjunto de regras que dispusessem sobre a conquista da África pelas potências coloniais da forma mais ordenada possível, mas que acabou resultando em uma divisão nada pacífica.

Um dos primeiros assuntos abordados foi o da soberania territorial e o de se saber que País tinha direito a ocupar os territórios. Existiam duas opiniões a esse respeito: os países que, como Portugal, tinham colônias há séculos na costa africana e defendiam o direito dos países que as descobriram de as ocupar, direito que se estendia à penetração para o interior. No entanto, as potências recém-chegadas ao continente africano, como a Alemanha, defendiam que o direito de ocupação devia corresponder aos países que tinham capacidade efectiva de manter e desenvolver o território. Esta posição, também era defendida pela Grã-Bretanha, era pregada pelo próprio Bismark, pelo que era fácil adivinhar para onde se inclinaria a conferência.  

O segundo grande problema referia-se à formação de eixos de Norte a Sul ou de Oeste a Leste do continente. Era a questão do “império colonial continuo”. Nenhum Estado ignorava que conseguiria predominar aquele que constituísse um império ininterrupto de colônias. Este segundo assunto afectava a França, Portugal e a Grã-Bretanha.

Com efeito, a França pretendia formar um eixo Oeste-Leste, entre o Senegal e o Gabão e a Somália pelo Sara e Sudão; Portugal procurava ligar Angola e Moçambique, e a Grã-Bretanha com mais pretensões, tentava unir de Norte a Sul o continente, entre o Cabo e o Cairo.

Durante a Conferência houve um momento de tensão muito sério. Tudo se deu devido a um plano ou projecto apresentado por Portugal, conhecido como Mapa Cor-de-Rosa, no qual ele esboçou a intenção de ligar Angola a Moçambique a fim de aprimorar a comunicação entre as duas colônias e tornar mais fácil o comércio e o transporte de mercadorias.

A aprovação da idéia foi unânime, até o momento em que a Inglaterra, que Portugal considerava sua aliada, à margem do Tratado de Windsor, se opôs veementemente e ameaçou – por meio de um ultimato, que ficou conhecido na história pelo nome de Ultimato Britânico de 1890 – declarar guerra a Portugal caso esse não desistisse de seus planos. Portugal agiu com bom senso, pois temendo represálias, abandonou a idéia.

 A conferência convocada não tinha o propósito inicial de retalhar a África em zonas influências, como se chamou mais adiante, mas devido às discussões enérgicas terminou por distribuir territórios e aprovar resoluções sobre a livre navegação no Níger, no Benué e seus afluentes, e ainda por estabelecer as regras a serem observadas a posterior em matéria de ocupação de territórios limítrofes a costa africana.

Uma análise da Acta final seria longa, pelo que se comentarão brevemente os pontos mais importantes que foram acordados pelos países presentes. O documento, apresentando à cabeça a formula “em nome de Deus Todo-Poderoso”, punha em destaque o desejo de se “estabelecer um espírito de entendimento mútuo as condições mais favoráveis ao desenvolvimento do comércio e da civilização (...) e garantir a todos os povos as vantagens (...)”. Segundo M´bokolo[5] , a conferência discutiu e adoptou seis textos, os quais são:

1.º    Uma Declaração relativa à liberdade de comércio na bacia do Congo, na sua foz e nos países circunvizinhos, com certas disposições conexas;

2.º    Uma Declaração relativa ao tráfico de escravos e às operações que, em terra e no mar, fornecem escravos ao tráfico negreiro;

3.º    Uma Declaração relativa à neutralidade dos territórios integrados na bacia convencional do Congo;

4.º    Um acto de Navegação do Congo, que, tendo em conta as circunstâncias locais, torna extensivos a esse rio, aos seus afluentes e a toda as águas da suas bacias fluviais, os princípios gerais enunciados nos artigos 108º a 116º do Acto Final do Congresso de Viena, destinados a regular, entre as Potências Signatárias do mesmo Acto, a livre navegação dos cursos de água navegáveis que separam ou atravessam vários Estados, princípios convencionalmente aplicáveis desde então a rios da Europa e da América, e, nomeadamente, ao Danúbio, com as alterações previstas pelos tratados de Paris de 1856, de Berlim de 1878 e de Londres de 1871 e 1883.

5.º    Um Acto de Navegação do Níger que, tendo em conta igualmente as circunstâncias locais, tornam extensivos a este rio e aos seus afluentes os mesmos princípios inscritos nos artigos 108º a 116º do Acto Final do Congresso de Viena.

6.º    Uma Declaração que introduz nas relações internacionais regras uniformes relativas às ocupações que poderão ter lugar no futuro nas costas do continente.

Os cinco primeiros pontos foram adoptados sem grande discussão, pois, na sua maioria, as potências temiam que as práticas proteccionistas em vigor na Europa se estendessem a África; o abolicionismo, a que todas tinham aderido, proporcionava [apenas] uma liga ideológica e uma cobertura moral a textos que aparecem hoje como um código de arbitragem para os candidatos à rapina africana, mas, com efeito, o essencial e os grandes debates centraram-se no sexto capítulo, com os seguintes artigos:  

Capítulo VI – Declaração relativa às condições essenciais a satisfazer para que sejam consideradas efectivas novas ocupações nas costas do continente africano.

Art.34.º - A Potência que, de futuro, tome possessão dum território nas costas do continente africano situado fora das suas possessões actuais, ou que, não as tendo até então, venha a adquiri-las, e do mesmo modo uma Potência que assuma um protectorado, acompanhará a Acta respectiva duma notificação dirigida às outras Potências signatárias da presente Acta, a fim de as pôr em condições de fazer valer, se disso for caso, as suas reclamações.

Art.35.º - As Potências signatárias da presente Acta reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios por elas ocupados nas costas do continente e, se for caso disso, a liberdade do comércio e de trânsito nas condições em que ela for estipulada.

  É a par destas razões que Uzoigwe afirma que “a conferência não discutiu a sério o tráfico de escravos nem os grandes idéias humanitários que se supunha terem-na inspirado. Adotaram-se apenas resoluções vazias de sentido, relativas à abolição do tráfico de escravo e ao bem-estar dos africanos”[6].

Estes dois artigos deram lugar a discussões muito vivas entre partidários e adversários da partilha do continente africano. Os primeiros, encabeçados pelo embaixador britânico, propunham que as regras a ser estabelecidas para as apropriações de novas possessões em África fossem aplicáveis a todo o continente africano; os segundos, lado a lado com o embaixador de França, protestavam que tal redundaria numa partilha da África. Do ponto de vista destes, bastaria que todo aquele que adquirisse um novo território costeiro teria que comunicar aos seus pares.

Assim, por força do artigo 34.º do Acto de Berlim, documento assinado pelos participantes da conferência, toda nação europeia que, a partir de então, tomasse posse de um território nas costas africanas ou assumisse aí um protectorado, deveria informá-lo aos membros signatários do Acto, par a que suas pretensões fossem ratificadas. Desta feita estava criada a chamada doutrina das esferas de influência. O artigo 35.º estipulava que o ocupante de qualquer território costeiro devia estar igualmente em condições de provar que exercia autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e, conforme o caso, a liberdade de comércio e de livre trânsito nas condições estabelecidas. Esta era a dita doutrina de ocupação efectiva, que transformaria a conquista de África na aventura dos europeus.

 As disposições gerais e os acordos básicos da conferencia foram os seguintes: reconhecia-se o Estado Livre do Congo, o que transformava Leopoldo II – que em 1885 se proclamou soberano – no verdadeiro vencedor da conferencia, ao ficar reconhecido o seu Estado no plano internacional; fixava-se a livre navegação dos grandes rios – bacia do Congo e do Níger –, sem que o pudessem impedir os países costeiros; estabelecia-se a liberdade de comercio na áfrica Central, devendo fomentar-se a civilização, e reconhecia-se o direito efectivo de ocupação – triunfando assim a tese de Bismark – a partir da costa em direcção ao interior, de modo que o país que antes poderia tornar efectiva a ocupação seria aquele que possuísse uma colônia na costa. Portugal renunciou aos seus direitos sobre o baixo Congo em troca do enclave de Cabinda.

    

4. A partilha de África e a divisão colonial.

Entre 1885 e 1914, realizou-se a divisão colonial que constituiu o novo mapa africano. Mas vale ressaltar que antes da conferência de Berlim, as potências européias já tinham suas esferas de influência na África por varias formas: mediante a instalação de colônias, a exploração, a criação de entrepostos comerciais, de estabelecimentos missionários, a ocupação de zonas estratégicas e os tratados com os dirigentes africanos. Após a conferência de Berlim, os tratados tornaram-se os instrumentos essenciais da partilha da África no papel. 

Eram de dois tipos esses tratados: os celebrados entre africanos e europeus, e os bilaterais, celebrados entre os próprios europeus.

Os tratados afro-europeus, assinados entre europeus e os chefes locais africanos, dividiam-se em duas categorias:

1.º    Os tratados sobre o tráfico de escravos e o comércio, que constituíram as fontes de tensões e provocaram a intervenção política europeia nos assuntos africanos;

2.º    Os tratados políticos, mediante os quais os dirigentes africanos ou eram levados a renunciar a sua soberania em troca de proteção, ou se comprometiam a não assinar nenhum tratado com outras nações européias.  

Estes tratados estiveram muito popularizados no período considerado. Eram feitos por representantes de governos europeus ou por certas organizações privadas, que, mais tarde, os cediam a seus respectivos governos. E logo que um governo metropolitano os aceitava, os territórios em apreço eram em geral anexados ou tidos por protectorado; por outro lado, se um governo duvidasse da autenticidade[7] dos tratados ou tivesse de agir com prudência por causa das vicissitudes da Weltpolitik, utilizava esses tratados para obter vantagens no quadro das negociações bilaterais européias.

Do lado africano, esses tratados eram celebrados por diversas outras razões: faziam-na com o intuito de tirar daí vantagens políticas relativamente a seus vizinhos, mas principalmente em nome do interesse de seu povo. Às vezes, certo Estado africano em posição de fraqueza assinava um tratado com uma potência europeia esperando poder libertar-se da vassalagem a que esta sujeita a outro Estado africano, ao passo que outros ainda assinavam com objctivo de manter a obediência dos seus Estados súbditos desobedientes. Ainda outros Estados africanos achavam que assinando o tratado o tratado com certa potência europeia, lhe serviria de vanguarda na questão da independência ameaçada por outras nações européias. No entanto, fosse qual fosse o caso, esses tratados desempenharam um papel preponderante na fase final da partilha da África. E definir uma esfera de influência por um tratado era, em geral, a etapa preliminar da ocupação de um Estado africano por uma potência europeia.

Portanto, uma zona de influência, nascia de uma declaração unilateral, mas ela somente tornava-se realidade uma vez aceita, ou não contestada por outras potências européias. Por freqüência as esferas de influência eram contestadas, mas os problemas de ordem territorial e as disputas de fronteiras acabavam por se resolver através de acordos entre duas ou mais potências imperialistas presentes na mesma região. 

Neste processo abundaram as ocupações e os lógicos confrontos que se resolveram com diferentes e numerosos tratados, desde os celebrados entre a Inglaterra e a Alemanha, a 29 de Abril e de 7 de Maio de 1885, que definiu as zonas de intervenção em ambos países em África, aos celebrados entre a Inglaterra e a França em 21 de Março de 1899, que regulamentava a questão egípcia.

Assim, no que se refere a divisão colonial, a Bélgica ocupou o Congo Belga, o parlamento belga autorizou ao rei, Leopoldo II, a ser imperador do Congo, desde que a união do reino da Bélgica com o Estado do Congo fosse estritamente pessoal. As fronteiras definitivas com o Congo francês e com Angola só se fixaram em 1891, depois de se resolver uma serie de problemas.

Leopoldo II levou a cabo um controlo pessoal como Senhor absoluto que era de facto, gozando durante vinte anos de uma fama sinistra pela exploração sem escrúpulo que levou a cabo e pela extrema crueldade que utilizou com os autóctones. Em 1908 cedeu os seus domínios coloniais em favor da Bélgica.

Na áfrica Setentrional, a frança mantinha relações comerciais e financeiras com Tunes desde 1868 e contava com a autorização de Bismark e de Londres para levar a cabo sua expansão. Em 1881, interveio o exercito Frances para pacificar a fronteira argelina e pelo tratado de Bardo impôs-se ao bei de Tunes um regime de protetorado; a partir de 1883, pelo acordo de La Marsa, estabeleceu-se o controlo directo da administração francesa sobre Tunes.

No Egipto existia um controlo administrativo e financeiro da frança e da Grã-Bretanha desde 1875, como conseqüência das dificuldades financeiras do quediva. Em 1882, um movimento nacionalista levou ao poder o coronel Arabi Paxá. Em Junho desse mesmo ano, aquando do motim de Alexandria, as tropas ingelsas às ordens do general Wolseley intervieram derrotando em Tell-al-Kabir as tropas de Arabi. Estabeleceu-se um estatuto de ocupação pelo qual a grã-bretanha dominava o pais através do seu cônsul-geral, Lord Cromer.

As tensões com a frança perduraram ate 1904. O Egipto só conseguiu a independência em 1922, embora a grã-bretanha tenha continuado a controlar o canal dse Suez durante alguns anos.

Marrocos, ate a morte do Sultão Hassan I em 1894, não se viu submetido à pressão das grandes potencias coloniais, a partir do inicio do século XX, tornou-se um dos grandes problemas políticos internacional.

Na áfrica Oriental e Central, as penetrações que se levaram a cabo deram azo a choques e rivalidades entre a frança e a grã-bretanha. A frança estendeu-se do Senegal (graças à política de Faidherbe) para o interior, ocupando Segu (1890), parte dos Estados Tucoror dirigidos por Ahmadu (1888-1893), Tumbuctu, no alto Níger (1894), Daome (1894) e o império de Samory , na Guine (1898); continuava a ocupar o lago Chade e a áfrica Equatoral em 1910.

A grã-bretanha ocupava a Serra Leoa, a costa do Ouro, lagos e a Gâmbia e, em 1901, a zona do Níger; a Alemanha dominava os camarões e Togo; potugal, a Guine; e por ultimo, a Espanha, a guine equatorial e o sara Ocidental. Só ficou a Libéria como estado independente na áfrica ocidental.

Na áfrica oriental, a Itália ocupava a Eritréia e a Somália, fracassando a sua tentativa na Etiópia, que permaneceria independente. A grã-bretanha, depois de derrotar o estado madhista, chegou a dominar o Sudão Anglo-Egipcio; também ocuparia a Somália, o Quênia e o Uganda; a Alemanha dominava tanganica, centro da áfrica oriental Alemã. A fraca criou a costa francesa dos Somalis (1888) e impôs um protectorado em Madagascar.

Na áfrica Austral, Portugal ocupava Angola e Moçambique, enquanto a Alemanha dominava na áfrica do Sudoeste. Mas a verdadeira protagonista da zona foi a grã-bretanha, com Cecil Rhodes no Cabo. Em 1885 anexou a Bechuanalandia, dominou a região ate Zambeze e conquistou a Rodesia e Niassa. Apos a guerra Anglo-Boers, impôs-se aos bôers e criou em 1910 a União Sul-Africana com a federação do Cabo, Natal, Orange e Transval.       


Conclusão.

Vamos começar por recordar que Conferência realizada em 1885 serviu para redefinir alguns aspectos do mapa colonial dos finais do século XIX, com o continente africano, rico em matérias-primas, como alvo preferencial dos interesses das grandes potências industrializadas Bismarck pretendia que a Inglaterra denunciasse o tratado anglo-português. De comum acordo com a França, juntou em Berlim as outras potências da Europa. Os interesses portugueses foram bastante atingidos com a realização desta conferência. Portugal viu anulado o tratado luso-britânico, e teve que ceder vários territórios e reconhecer o estado do Congo.

Os principais motivos que levaram a realização dessa Conferência foram:

Os interesses do rei da Bélgica, Leopoldo II, em fundar um império ultramarino. Que para isso, Leopoldo II usou como uma de suas estratégias o estudo da exploração africana. Promoveu também a fundação de uma cadeia de postos comerciais e científicos pela áfrica central. Utilizando tudo isso para de certa forma combater o comercio de escravos promovido pelos mulçumanos e proteger as missões cristãs.

Apesar de tudo isso seu objetivo maior, e por sinal um dos objectivos ocultos da conferência de Berlim, era fundar um império ultramarino e forçar o reconhecimento do Estado Livre do Congo. Visando isso, patrocinou a realização da conferencia de Bruxelas. Onde ao inicio dela, fez seu discurso, frisando que o que ele esperava que fosse cumprido por essa conferência seria pelo menos a abertura de rotas pelo interior do continente e a instalação de postos hospitaleiros, científicos e pacificadores.

Ao término da conferência, foi aprovada a fundação da Associação Internacional Africana, tendo como presidente do comitê, Leopoldo II.

Foi fundado também o Comitê de Estudos do Alto Congo.

Obedecendo a ordens de Leopoldo, Stanley um explorador, estabeleceu uma Confederação de Repúblicas Livres, que teria como presidente Leopoldo. As medidas tomadas entre 1876 e 1884, que se referiu aos interesses de Leopoldo, é o primeiro grande motivo para a partilha. O segundo motivo foi a corrida de Portugal, que pressupunha a ligação de Angola a Moçambique formando uma única província Angolomoçambicana.

Contudo, há imensas deturpações sobre as decisões da conferência de Berlim. Na realidade, nessa conferência não se fez a partilha da África na sua integralidade, tendo-se, apenas, aprovado a partilha de uma vasta zona da África Central feita entre a França, a Associação Internacional do Congo e Portugal, no entanto, à margem da conferência, embora em simultâneo com as suas sessões.

As disposições da conferência de Berlim para tornar efectivas às novas ocupações referiam-se tão somente às costas do continente e não ao seu hinterland. Por outro, na conferência não foi mantida a noção de zona de influência. A partilha da África em zonas ou esferas de influências fez-se principalmente a partir de 1886 e contrariava a obrigação de ocupação efectiva estabelecida pela conferência de Berlim, visto que uma zona de influência é apenas uma reserva destinada a uma futura exploração e ocupação.

Porém, a conferência de Berlim pode ser considerada o ponto de partida para a partilha da África entre algumas potências européias. Por outros termos, nos anos que se seguiram à conferência começou a reinar uma certa atmosfera, imbuída de suspeitas , cobiças, concorrências, interpretações tendenciosas do Acto Geral de Berlim a partir de posições de força, etc., que culminou com a ocupação de quase todos os territórios africanos pelas principais potências européias, signatárias do Acto Geral de Berlim.          




Referências bibliográficas

Acta Geral – texto integral, in Hernri BRUNSCHWIG: “A partilha da África”, Lisboa, publicações Dom Quixote, 1972, pp. 80-97 [Documento extraído por Brusnschwig de De Clerq, Recueil des traités de la France, Paris, 1880, t. 14]

COSTA, Mariete da Conceição Pereira: “A Conferência de Berlim de 1884/1885 – Realidades e conseqüências históricas verdadeiras”, Lubango, 1989 (trabalho de fim de curso para obtenção de licenciatura em Ciências da Educação, opção história)

GISPER, Carlos et all: “Historia Universal”, Vol XVI, Oceano Editora/Instituo Gallach, Espanha, (sd)

Historia Universal comparada, kingfisher publications, Portugal, 2000.

KI-ZERBO, Joseph: “História Geral da África Negra”, Vol.II, publicações Europa-America, 3ª edição, 2002

M´BOKOLO, Elikia: “África Negra: História e Civilizações do século XIX aos nossos dias”. Vol. II, 2ª Ed, Editora Calibre, 2007

OLIVER, Roland: “Breve história da África”. Edições 70, Lisboa, 1977.

UZOIGWE, Goodfrey N.: “A Partilha europeia e a conquista de África: apanhado geral”, in Historia Geral da África, Vol. VII – A África sob dominação colonial 1880-1935, S. Paulo, Ática/UNESCO





[1]pseudônimo de John Rowlands Stanley, Explorador e jornalista galês (1841-1904) da África Central. Notabilizou-se pelas suas descobertas e pelo desenvolvimento que imprimiu à região do Congo. Em 1871 juntou-se a David Livingstone em Ujiji, e ambos partiram à descoberta do continente. Foi armado cavaleiro em 1899. Das suas viagens resultaram vários relatos, como How I Found Livingstone (1872), Coomassie and Magdala: The Story of Two British Campaigns in Africa (1874), Through the Dark Continent (1878) e In Darkest Africa (1890).

[2] David Livingstone: Missionário protestante e explorador escocês (1813-1873). Em 1841 partiu para África, e em 1853 subiu o Rio Zambeze, descoberto apenas dois anos antes, tendo atingido as cataratas de Vitória. No período compreendido entre 1858 e 1864 percorreu central e oriental do continente, onde descobriu os lagos Shirwa e Malawi. Em 1871, encontrou-se com Stanley em Ujiji, e juntos partiram à exploração. Anti-esclavagista convicto, Livingstone denunciou o tráfico de negros.

[3]UZOIGWE, Goodfrey N.: “A Partilha europeia e a conquista de África: apanhado geral”, in Historia Geral da África, Vol. VII – A África sob dominação colonial 1880-1935, S. Paulo, Ática/UNESCO, PP. 53.

[4] Embora Uzoigwe aponte 26 Novembro de 1885 como a data do término da conferência.

[5]M´BOKOLO, Elikia: “África Negra: História e Civilizações do século XIX aos nossos dias. Vol. II, 2ª Ed, Editora Calibre, 2007, pp. 313.

[6] apud Uzoigwe, op. Cit. p. 53.

[7] Embora muitos fossem mesmo falsos como os assinados por Lugard, em nome da Imperial British East África Company, e o Chefe local do Buganda, Kabaka Mwanga II.

O PAN-AFRICANISMO E SUA DIMENSÃO PARA AS INDEPENDÊNCIAS AFRICANAS (Dissertação)

INTRODUÇÃO


Depois da segunda guerra mundial a África debatia-se com questões de toda índole, com destaque para as de aspecto político, consubstanciadas na luta pela independência contra o domínio colonial. Essas lutas visavam criar estratégias para o desenvolvimento do continente numa altura em que o mundo se encontrava em pleno auge da guerra-fria e divido em dois campos antagónicos.

Clamorosa era também a situação sócio-política e histórica. Por esta razão, os países procuravam a sua auto-determinação e lutavam com toda bravura e heroísmo, uma vez que as condições sociais, económicas e políticas não eram das melhores. Inconsistente era também o sistema de educação, saúde, comunicação, etc., o que motivou os intelectuais africanos a assumir outros compromissos e rumar para novos horizontes: independência e desenvolvimento

Sabe-se, porém, que o continente africano conheceu a presença europeia em todo seu quadrante, sobretudo depois da perniciosa conferência de Berlim, que formalizou a configuração de África e descartando questões essenciais para a sobrevivência das instituições originalmente africanas.

Uma das raízes mais profundas da dura realidade africana é o mercado de escravos, explorado por árabes e europeus entre os séculos XVI e XIX. Naquele período, mais de 11000.000 de seres humanos foram capturados por portugueses, holandeses, ingleses e franceses, e transportados à força, principalmente para as plantações dos Estados Unidos e para as possessões portuguesas na América.

Encerrado o período esclavagista, no século XIX, as potências coloniais mantiveram o controlo sobre a África, que se tornou fonte de minerais e matéria-prima para a florescente indústria europeia. No processo de colonização, muitas tribos e nações inimigas acabaram unidas à força pelos colonizadores. Por causa disso, as fronteiras dos Estados e regiões reflectiam muito mais os interesses estrangeiros do que a história dos povos locais.

Portanto, cansados com dominação colonial, os africanos uniram vozes contra o colonialismo. E um dos primeiros projectos, para este fim, foi o do Pan-africanismo, ou a união de todas as nações africanas, formulado pelo líder negro Jomo Kennyata[1], do Quénia. O principal obstáculo do Pan-africanismo era a diversidade étnica e cultural do continente. Existiam, como ainda existem, muitas "Áfricas" diferentes, impedindo as tentativas de aliança dos países africanos. Essa inexistência de uma "identidade africana" deve-se, em grande parte, ao fato de a África ter sido dominada, dividida e explorada por potências que nunca se preocuparam com os traços culturais daquelas populações.

Entretanto, neste breve e modesto trabalho iremos nos debruçar sobre os contextos, particularmente, histórico e sócio-político do Pan-africanismo. É claro que este desiderato terá de obedecer criteriosamente os indispensáveis conceitos intrinsecamente ligados á história que são o espaço e o tempo, pois não existe realidade fora destes dois elementos.

Este trabalho apresenta, através de uma pesquisa bibliográfica, uma abordagem do Pan-africanismo, movimento político-social surgido nos Estados Unidos no final do século XIX, e a repercussão que ele teve no mundo negro africano, influenciando a criação de movimentos culturais negros nos Estados Unidos, Haiti, Cuba e França, bem como, um pouco mais tarde, contribuindo ideologicamente para a eclosão de movimentos político-culturais de descolonização na África. Inicialmente, o trabalho traz uma abordagem dos factos históricos, do início do tráfico negreiro ao fim da escravatura em solo americano, que criaram as condições para a criação do Pan-africanismo


Identificação do Problema

O Pan-africanismo desde o seu surgimento fora do continente africano exerceu uma forte influência sobre as lutas dos diferentes povos na América do Norte, do Sul e em África para mudar o quadro então existente dos direitos cívicos e de colonização. Progressos foram observados pela igualdade racial em alguns países e a descolonização foi um facto em África quando na década de 50 assistimos a independência de alguns países e generalizou nos anos 60 nas colónias britânicas e francesas. As colónias portuguesas foram independentes mais tarde devido ao carácter do regime político em Portugal. Qual foi a influência do Pan-africanismo sobre o nacionalismo africano? Como os movimentos de libertação utilizaram o Pan-africanismo para mobilizar as populações para a conquista da independência?


Fundamentação do Tema

A realização de conferências pan-africanas em várias cidades como Paris (1919), Londres (1921) Lisboa (1927), Nova Iorque (1929) e Manchester (1945), o movimento abre-se ao princípio da solidariedade entre os povos e as classes em luta qualquer que seja a sua cor. Pela imprensa, folhetos e conferências os seus ecos chegam às colónias e a ideia Pan-africana toma uma nova forma por o acontecimento situar-se num contexto em que as lutas que se vão desenrolam no continente obrigam os jovens estudantes, sindicalistas e intelectuais a mobilizarem-se cada vez mais contra o sistema opressor.

Objectivos da investigação

Os objectivos que nos levam a escrever o tema são os seguintes:

  • Objectivo geral: Analisar as origens e a evolução do Pan-africanismo durante o século XX.

  •  Objectivo específico: Identificar os factores que contribuíram para o surgimento do Pan-africanismo e a sua adopção pelos movimentos de libertação.


Definição dos termos

Constituirão palavras-chave do presente trabalho as seguintes:

- Pan-africanismo;

- Nacionalismo africano;

- Movimentos de libertação;

- Luta de libertação;

- Independência.


  • Pan-africanismo – doutrina surgida fora do continente africano, mais concretamente nos Estados Unidos da América, que defendia a unidade e o renascimento da raça negra humilhada pelas políticas dos Estados e pela colonização.

  • Nacionalismo africano – é um princípio político defendido por africanos que sustém que a unidade nacional e a unidade política devem ser perfeitamente coincidentes. O sentimento nacionalista é o sentido de cólera suscitado pela violação desse princípio ou o sentido de satisfação suscitado pelo seu cumprimento. Um movimento nacionalista é um movimento animado por um sentimento deste género.

  • Movimentos de libertação – são formações políticas e culturais que se constituíram para conseguirem a libertação do país do colonialismo europeu.

  • Luta de Libertação – é o conjunto de acções políticas, culturais e militares realizadas em África no período que vai de 1950-1972 para por fim a dominação colonial europeia.

  • Independência – é a libertação do continente da dominação colonial e a gestão do território pelos nacionais.


 Limitação do estudo

Incidiremos sobre os mais importantes aspectos inerentes ao surgimento e evolução do Pan-africanismo no mundo e a sua penetração em África.


Relevância do estudo

- Importância Teórica: Dar relevância as principais teorias que deram origem ao Pan-africanismo e os postulados dos seus principais precursores.

- Importância Prática: Apresentar algumas ideias sobre a necessidade de formar saberes sobre a influência do Pan-africanismo na luta contra o colonialismo europeu. Ora, esse trabalho, também, mostra-nos um certo interesse na medida em que, fica bem patente as formas de como os africanos uniram e souberam aproveitar as influências exógenas e uniram voz para o alcance da tão sonhada e esperada liberdade, e serve-se de uma extrema portaria aos estudantes, afim de se saber os processos usados pelos africanos ao lutar contra o sistema colonial.


Metodologia

A) Métodos de procedimento:

A.1- Método Histórico: consistirá em investigar acontecimentos do passado que influenciaram as práticas nacionalistas contra o colonialismo.

A.2- Método Comparativo: faremos uma focalização sobre o impacto do Pan-africanismo nas sociedades africanas.

b) Metodologia de abordagem:

b.1- Método Indutivo: A utilização deste método é útil na medida em que será para generalizar aspectos comuns a um determinado número de casos e verificar aspectos dos enunciados a apresentar.

b.2- Método Dedutivo: Será útil este método pelo facto de permitir a explicitação de verdades particulares contidas em verdades universais. Fará a utilização e a ligação entre o antecedente e o consequente para expurgar da investigação os elementos necessários para a sua explicitação.


Hipóteses

Por se tratar de um design descritivo não é necessário levantarmos hipóteses.


Instrumentos

Os instrumentos a serem utilizados para a elaboração desta pesquisa serão:

- A pesquisa bibliográfica;

- Análise dos diferentes documentos.


Tema da investigação científica

- Descritivo

Recolha, processamento e análise de dados

De acordo com a investigação do trabalho, iremos utilizar as seguintes técnicas:

- Pesquisas bibliográficas, recolha de toda a bibliografia necessária para o trabalho.


Partes da dissertação

O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: introdução, três capítulos, conclusão, e bibliografia.

No primeiro capítulo, inicialmente, fizemos uma abordagem dos factos históricos relacionados com o início do tráfico negreiro ao fim da escravatura, que criaram as condições para a criação do Pan-africanismo.

O segundo capítulo retrata o impacto que teve as duas grandes guerras nas colónias europeias de África, muito em particular a tomada de consciência das elites intelectuais africanas para o despertar do nacionalismo africano.

O terceiro capítulo, o mais longo, descreve a odisseia dos africanos para a emancipação, esta tornada possível através das expressões nacionalistas como o Pan-africanismo. Neste mesmo capítulo, além de se definir o conceito de Pan-africanismo, faz-se também uma abordagem dos intervenientes da acção Pan-africana bem como das diferentes manifestações do Pan-africanismo.  

Portanto, retornando ao Pan-africanismo como nosso campo de análise, gostaríamos de afirmar que no trabalho que aqui apresentamos não pretendemos abordar toda história, importa apenas salientar alguns aspectos deste processo na medida em que esta referência nos poderá ajudar a compreender a visão de uma das diferentes formas de luta pela independência.   


Capítulo I: Uma diáspora forçada.

Basil Davidson[2], em um minucioso estudo do período do tráfico negreiro, afirma que a África foi extremamente fértil no fornecimento de seus filhos para o desenvolvimento do mercantilismo europeu, iniciado com as descobertas marítimas de Portugal e Espanha e levado ao extremo após as entradas de Holanda, França e Inglaterra no vantajoso comércio transatlântico.

Segundo ele, o comércio de cativos africanos, que desde o início revelou todos os sintomas de uma excepcional crueldade e devastação, tornou-se importante a partir de 1510, quando começou a ser praticado de forma massiva. Antes dessa data ocorreram somente carregamentos esporádicos.

Esse mega e desumano comércio, chamado de Grande Circuito por Davidson, era praticado de forma triangular, envolvendo outros produtos cujos lucros eram todos revertidos para a Europa.

O autor observa que seria com base nos lucros regulares e por vezes fabulosos proporcionados pelo comércio do Grande Circuito que França e Inglaterra iriam construir a sua supremacia comercial, esta última, em consequência dessa expansão económica, obteria condições para realizar uma revolução industrial. Não iremos discutir aqui, por escapar aos nossos objectivos, o fato de a Inglaterra ter comandado uma campanha contra o comércio negreiro e a escravatura quando estes se tornaram obstáculos aos seus objectivos comerciais. O intuito é traçar um painel da desumanidade desse comércio e o peso que ele teve na consolidação das principais economias ocidentais, e especialmente a importância que essa imigração forçada teve na formação das nações da América e o papel decisivo que a diáspora africana exerceu na conscientização dos negros em África, que os levaria a desencadear o processo de descolonização das colónias europeias em território africano na segunda metade do século XX.

Quanto ao número exacto de filhos da África imigrados forçadamente para as três Américas, Davidson acredita que a resposta correcta ninguém sabe e nem jamais virá a saber porque as fontes necessárias para essa resposta perderam-se ou talvez até mesmo nunca tenham existido. Segundo ele, o máximo que se pode fazer é tentar elaborar uma estimativa a partir de dados confusos e incompletos. Observando a disparidade de opiniões sobre a questão, afirma que alguns autores moderados calculam em 15 milhões as vítimas do tráfico negreiro, outros consideram que o número seria algo em torno de 50 milhões e há aqueles que pensam que o número é muito mais elevado. De modo sensato, exprimindo sua opinião pessoal, acredita que esse comércio custou à África no mínimo 50 milhões de indivíduos. Entre aqueles que calculam um número muito mais elevado está Joseph Ki-Zerbo[3], que, partindo da afirmação de W. E. B. Du Bois que cerca de 15 milhões de negros foram vendidos às terras do novo mundo, calcula que por cada escravo que chegava à América morriam quatro no trajecto, perfazendo um total de 75 milhões.

Os sobreviventes desse holocausto negro seriam essenciais na construção de novas nações no novo mundo. Embora os louros tenham ficado com os colonizadores brancos europeus, foram os escravos africanos que pagaram o preço mais alto do grande desenvolvimento económico alcançado pelos Estados Unidos, que já no século XIX tinha o status de uma grande nação comparável às europeias. Também foram eles os principais construtores das nações do Caribe, Brasil, Colômbia, Peru e Equador, e tiveram participação activa na história de outros países das três Américas. Mas, mesmo com toda a importância que tiveram, só muito tarde (mais de trezentos anos depois do início do tráfico negreiro) começaram a ser libertados.

Depois de abolida a escravatura em todo o continente americano (o Brasil foi o último a fazê-lo em 1888), o negro só teoricamente era considerado cidadão de seu país. Na verdade, ele continuava sob um novo modelo de escravidão. Nos Estados Unidos, país onde nasceu a reacção negra que se propagou por todo o mundo, o indivíduo de cor negra não era reconhecido como elemento de fundamental importância no processo histórico de construção social e nacional, e ainda era cerceado em seus direitos essenciais de cidadão norte-americano, não usufruindo dos mesmos direitos dispensados aos seus compatriotas de pele clara e sem manchas de sangue negro em suas árvores genealógicas, tendo assim que se enquadrar numa ordem social em que havia escolas, restaurantes, cemitérios e igrejas de um tipo para os brancos e de outro para os negros. Essa divisão social determinada pela origem racial colaborava para a manutenção da antiga relação entre o senhor (branco) e o escravo (negro).

Por essa época também estavam em voga as famosas teorias extremamente racistas que tentavam comprovar cientificamente a superioridade da raça branca sobre as demais (principalmente a inferioridade do negro africano frente ao branco europeu), visando camuflar, segundo Kabengele Munanga[4], os objectivos económicos e imperialistas das grandes nações europeias, justificando-se assim a escravização e a colonização dos povos por eles considerados inferiores. Para os defensores dessas teorias (Teoria Poligenista, Darwinismo Social, entre outras), o progresso estaria restrito às sociedades formadas por elementos de raça branca pura, como a ariana, enquanto que os negros, amarelos e miscigenados eram tidos como incivilizáveis e sem a menor possibilidade de desenvolvimento sócio-cultural e científico. Nesse período, segundo Thomas Skidmore “a teoria de que o ariano (ou anglo-saxão) tinha atingido o mais alto grau de civilização e estava, em consequência, destinado, deterministicamente, pela natureza e pela História, a ganhar o crescente controle do mundo – era sustentada por bem elaboradas monografias históricas”[5].

Essas teorias, segundo Jean-Paul Sartre (1974, p.23), “ [...] contribuíram para manter o [falso] humanismo burguês: todos os homens são iguais, excepto os colonizados, que de homem só tinham a aparência [...]”, e serviram para legitimar o discurso colonial que apresentava “o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução.”[6]

Mas será no período entre as duas grandes guerras que o cenário colonial se vai visualizar a partir de um lado oposto do prisma.


Capítulo II: A África no Período das Guerras Mundiais (1914-1945).

Algumas regiões do continente africano sofreram o impacto das duas guerras mundiais. Do ponto de vista militar as potências beligerantes digladiaram-se em terra africana. Assinalamos aqui as intervenções dos exércitos franceses e britânico no Togo, Camarões, Tanganica e sudoeste africano (Namíbia), então colónias alemães. Nos dois últimos países Portugal interveio por fazerem fronteira com as suas colónias, nomeadamente Angola e Moçambique.

Finda a guerra e por força do tratado de Versalhes, assinado entre potências vencedoras (França e Inglaterra) e os países vencidos (no caso da Alemanha) as suas colónias passaram a tutela dos primeiros. É assim que o Togo passou para a jurisdição francesa, os Camarões foram partilhados entre a França e a Inglaterra, o Tanganica ficou com a Inglaterra, o Rwanda-Urundi ficou com a Bélgica e o sudoeste africano (Namíbia) ficou com a África do sul pelo facto deste país ter colaborado durante a guerra com os vencedores.

Enquanto isso, a II guerra mundial teve um impacto muito grande nas colónias africanas, mas desta vez só no norte de África se fizeram sentir combates entre tropas alemães e as norte-americanas e britânicas. A batalha mais importante foi a de El Alamein, no Egipto, em que as tropas alemães sofreram uma pesada derrota e que ditou a sua retirada do norte de África, particularmente do Egipto, Líbia e Tunísia.


1.1 O papel das duas guerras mundiais no despertar e consolidação do nacionalismo em África.

1.1.1 A primeira guerra mundial (1914-1918).

Os investigadores[7] que analisam o impacto das duas guerras mundiais sobre o despertar do nacionalismo em África consideram que a primeira guerra mundial encerrou um primeiro conjunto de acontecimentos que estremeceu a estrutura do colonialismo mundial. Além disso, pelo artigo 119 do Tratado de Versalhes, de Junho de 1919, foram legalmente reconhecidos os desmoronamentos dos impérios alemão e otomano, cujas possessões passaram a ser divididas entre britânicos e franceses.

A conferência de Paz de Versalhes celebrou as ideias de auto-governo e de democracia de indivíduos iguais, independentes e capazes de se fazerem representar. Paradoxalmente, nos territórios ultramarinos o exercício administrativo-jurídico, articulado a uma teia de crenças e valores, reforçava a existência de indivíduos nações dependentes e incapazes de formular e conduzir projectos políticos-sociais próprios do mundo moderno.

Esse foi o argumento da Sociedade das Nações quando redesenhou o mapa da África instituindo um grande regime de mandato (o qual cedeu lugar ao regime de protectorado só depois da segunda guerra mundial), substituindo a Alemanha pela França e a Inglaterra, no Togo, nos Camarões e no Tanganica; pela África do sul no sudoeste africano (Namíbia), onde a campanha teve longa duração, cujo fecho decisivo foi desempenhado por tropas africanas. Esse processo de substituição ocorreu também no Rwanda-Urundi em que a Bélgica substitui a Alemanha.

No final da I guerra mundial os combatentes africanos regressaram aos seus países de origem mas, passado algum tempo, não viram, da parte da administração colonial, um reconhecimento da sua participação nesse conflito.

É assim que começaram a surgir as manifestações contestatárias, com greves e reivindicações de ordem económica e social que abrangiam desde as privações e exclusões próprias das práticas quotidianas até a não aplicação do decreto de autodeterminação dos povos, tal qual havia sido apresentada nos 14 pontos do presidente americano, Woodrow Wilson, reiterando a ideia básica aprovada já no IIº Congresso Internacional Socialista realizado em Londres, em 1896.

Por sua vez, sob força das circunstâncias, a Inglaterra e a França assinaram, em Novembro de 1918, uma declaração conjunta por meio do qual reconheciam a importância da emancipação dos “povos oprimidos pelos turcos”. Destruiu-se o império Otomano com o reconhecimento da independência a um grupo de países árabes da África setentrional (Egipto, Líbia, Tunísia), enquanto nos demais territórios governados pelas mesmas potências europeias a independência era recusada.

Essa contradição da colonização levou a um inequívoco crescimento dos movimentos nacionalistas. O fim da primeira guerra mundial frustrou a expectativa de reconhecimento do “esforço de guerra” que incluía o cumprimento de promessas da burocracia colonial de resolver necessidades materiais básicas dos africanos com reformas sociais e políticas. O adiamento na resolução dos problemas sociais aumentou a oposição à administração colonial.

Numa análise a respeito, o investigador Ilídio do Amaral considera que:

“Tanto a conferência de Berlim, de 1884-1885, como a primeira guerra mundial, tendo sido assuntos especificamente europeus, impuseram modificações profundas e duráveis nos africanos, de que uma das formas mais visíveis é a partilha de territórios coloniais, os mesmos que, desde meados do século XX, os movimentos independentistas viriam a receber, tentando superar, no interior de fronteiras arbitrariamente traçadas pelas potências coloniais europeias, o enorme desafio da construção do Estado-nação, a partir dos aglomerados complexos de grupos étnicos diversos, muitos dos quais dotados de heranças espaciais ou territoriais, de tradições comuns e de relações de parentesco coesas, de instituições sócio-políticas e recursos económicos partilhados, e por vezes, da aceitação de um controlo político comum, que podem ser considerados atributos do conceito ocidental de “nação”.” [8]

Ilídio do Amaral, num extenso texto apresentado na III reunião Internacional de História de África, em Lisboa, acrescenta:

“Muitos desses soldados, como outros africanos, nomeadamente os europeizados, esperavam que a participação numa guerra que não lhes dizia respeito fosse recompensada com melhorias constitucionais, económicas e sociais nos seus territórios de origem. Não o foram, o que deu azo à radicalização de um anti-colonialismo latente. As elites africanas esperavam que os princípios da auto-determinação (e, de certo modo, a antecipação do principio da nacionalidade) enunciados pelo presidente norte-americano T. W. Wilson em 1918 e outros, também viessem a ser aplicados em África, o que só sucedera passados muitos anos depois da grande guerra mundial de 1939-1945”.[9]

Por outro lado, a guerra colocou os povos africanos em contacto com o carácter instrumental da técnica, sobretudo militar terá sido o de ter posto a nu o carácter desumano dos chamados civilizados. Ora, não havia razão para acreditar que o sistema colonial fosse necessário ou mesmo inevitável para que os indígenas evoluíssem segundo padrões ocidentais. Gradualmente, os africanos tomam consciência da necessidade de assegurarem os seus próprios destinos e de traçar um melhor rumo das suas sociedades, segundo os seus padrões culturais.

As acções levadas a cabo pelos africanos nesse período excluíam a conquista da independência. Reivindicavam um tratamento melhor dentro do sistema colonial. A esse respeito a opinião de Mariane Cornevin é a seguinte:

“O nacionalismo na África ao sul do Shaara antes de 1939 é essencialmente a denúncia do racismo e da injustiça social que resulta da colonização. Para as colónias britânicas existem alguns factores que concorrem para o despertar do nacional-nacionalismo: a releitura da bíblia com a criação das igrejas sincréticas e o Pan-africanismo, enquanto que nas colónias francesas a carta dos Direitos do homem e a Negritude influenciaram profundamente os nacionalistas.”[10]

Como veremos mais adiante as verdadeiras acções a favor da independência serão desencadeadas com o fim da II guerra mundial. Aliás, existem circunstâncias mais favoráveis para os povos africanos exigirem às potências colonizadoras o direito à independência.


1.1.2 Os efeitos da II guerra mundial (1939-1945).

Logo após a II guerra mundial as potências europeias, debilitadas pelos efeitos desse conflito, tentam corrigir os erros do anterior conflito no que diz respeito às possessões coloniais. A França e a Grã-Brentanha adoptam algumas medidas legislativas, nomeadamente a abolição do Estatuto do Indígenas, concedem direitos sindicais aos africanos e autorizam a criação de partidos políticos.

De facto, a II guerra mundial (1939-1945) foi o factor externo que permitiu a consolidação do nacionalismo em África. A participação de africanos nessa guerra permitiu-lhes compreender a natureza do colonialismo e das sociedades europeias. Ki-Zerbo, em História da África Negra, estima que em 1940, só nos territórios sob dominação francesa, foram recrutados 127.320 soldados da chamada “África Ocidental Francesa (AOF), 15500 na África Equatorial Francesa (AEF) e 34.000 em Madagáscar. Desse contingente, 24.271 africanos da África Ocidental e Equatorial, assim como 4.350 malgaxes perderam a vida em combates na Normandia, no Médio Oriente, em África, Itália, Indochina, Birmânia e Alemanha”.[11]

Com efeito, o esforço africano na guerra foi enorme. Pelas estáticas avançadas compreende-se que não houve, da parte das administrações coloniais, o merecido reconhecimento do esforço dos africanos. Cornevin afirma que:

Das 63.000 africanos recrutados nos territórios da África Ocidental Francesa e que combatiam em França em 1940, 24000 morreram logo após o armistício com a Alemanha. Em Agosto de 1945, 60.000 africanos e 16.000 europeus chegaram à África Ocidental Francesa para participar em operações militares na África do Norte, Itália e França (1972:80).[12]

Para Hernandez[13] “outro conjunto de factores teve um peso decisivo para o processo que deu impulso às lutas de independência. O primeiro deles foi que a participação de africanos na primeira guerra mundial se repetiu na segunda guerra mundial quando perto de 190 mil homens estiveram em frentes de batalha (…) ora, a guerra colocou os povos negros em contacto com o carácter instrumental da técnica multiplicidade pela violência exercida pelos povos brancos entre si. Talvez o mais importante legado dessa experiência tenha sido o de ter desnudado a desumanidade dos civilizados. A Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, cujo Estado se tornou modelo para os países africanos, inscreveu a libertação dos povos colonizados como pilar da sua política externa”.

Ali Muzrui[14] enfatiza o papel da França de Charles de Gaulle na transferência gradual do poder aos africanos. Na realidade, logo após a II guerra mundial, a França decidiu a participação dos africanos na vida política, mesmo que essa participação fosse feita nos partidos políticos da metrópole. É assim que em Novembro de 1945, Leopoldo Sedar Senghor e Lamine Guéye (Senegal), Felix Houphouet-Boigny (Costa do Marfim), Apith Sourou Migan (Daomé), Fily Dabo Cissoko (Sudão Francês) e Yacine Diallo (Guine Conacry), foram eleitos para a Assembleia constituinte afim de representarem a África Ocidental Francesa.

Nas colónias sob tutela, no caso dos Camarões, também foram eleitos Alexandre Douala-Manga Bell e L. P. Anjoulet. Ficou de fora a colónia da Argélia, porque os nacionalistas gostariam de ver aprovado um projecto de federação entre a França e a futura República argelina, o que não foi aceite.

Os deputados africanos e a constituição da IV República introduziram mudanças na legislação sobre as colónias.

 A legislação de maior impacto nas colónias foi o decreto de 20 de Fevereiro que suprime o Indigenato; a lei de 11 de Abril sobre a abolição do trabalho forçado; o decreto de 30 de Abril que aplica a África o código penal da metrópole e a lei de 30 de Abril sobre a criação do Fundo de Investimentos e de Desenvolvimento Económico e Social (FIDES).

Ainda de acordo com Cornevin (1972), dessas quatro leis somente a da abolição do trabalho forçado obteve o acolhimento mais entusiasta das populações africanas, sobretudo nos Camarões e Costa do Marfim onde o recrutamento forçado para as plantações era mais pesado (p.112).

Quatro dessas leis foram votadas antes do referendum de 15 de Maio de 1946. Essas acções legislativas e outras inflectiram no sentido de dar um novo rumo ao processo de descolonização. Aqui, é importante sublinhar que os nacionalistas africanos encontram na Organização das Nações Unidas (ONU) um importante aliado e um bom campo de batalha para reivindicar a independência. Aliás a Carta das Nações unidas defendia o princípio da autodeterminação.

De facto, o fim da II guerra mundial permitiu a organização de campanhas contra a manutenção dos impérios coloniais. 


Capítulo III: A caminho da independência da África.

     

Por varias razões, tanto de ordem histórica como político-constitucional, o movimento de libertação iniciou de maneira especial, pelo menos com, relativamente, mais vigor nas colónias britânicas da África Ocidental. O movimento destemido atingiu, depois – directa ou indirectamente – os territórios sob domínio francês após os quais se difundiu para as colónias da África Oriental pertencentes aos mesmos britânicos.

Quanto as possessões belgas e portuguesas da África negra, estas despertar-se-ão e vão conhecer o mesmo fenómeno com o vento das reivindicações emancipacionistas muito mais tarde além de ter sido palco de lutas mais “bárbaras”.

A luta pela independência, desenvolvida por grupos nacionalistas em diversos países africanos, ganhou força na segunda metade do século XX. O apoio a esses grupos, por parte de Washington e Moscovo, contava pontos na disputa ideológica entre as duas superpotências.

No final da Segunda Guerra Mundial, não havia mais clima político no mundo para a preservação de impérios coloniais. A guerra marcou a derrota do Japão, da Alemanha e da Itália, países que tinham um projecto declaradamente colonialista. A própria criação da Organização das Nações Unidas, a ONU, em Junho de 1945, tinha formalmente, como premissa, assegurar a igualdade entre todos os países do mundo.

Nesse quadro, os impérios coloniais ainda existentes eram uma anomalia, o resquício de um ciclo histórico já ultrapassado. Na realidade, a estrutura da ONU sempre reflectiu a distribuição do poder na Guerra-fria. A composição do Conselho de Segurança é o melhor exemplo disso. Começou com 11 membros, depois ampliados para 15, sendo 5 permanentes e com poder de veto: Estados Unidos, União Soviética, França, Grã-Bretanha e China.

Para a historiadora Maria Helena Senise, “a questão é que os países que realmente venceram a guerra - Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, França e China - vão formar aquilo que se chama, no Conselho de Segurança, de bloco de países com direito a veto. Isso significa que qualquer decisão tomada pelo Conselho pode ser barrada por um desses cinco países. Entretanto, o que significa isso em termos, por exemplo, das regiões que estavam sendo colonizadas? Ficava muito estranho que essas nações todas tivessem lutado contra as nações totalitárias, pela democracia, pela liberdade, e ao mesmo tempo possuíssem colónias. Esse era o caso da França e especialmente da Grã-Bretanha, que possuía um vasto império colonial. Nesse sentido, fica claro que num determinado momento essas potências seriam colocadas em xeque e obrigadas a ceder a independência a todas as suas colónias”.

Apesar do poder de veto, as potências coloniais estavam em declínio, abaladas por duas guerras mundiais e por crises económicas. Em 1947, a Grã-Bretanha foi obrigada a ceder a independência à Índia, sob o impacto de um movimento nacionalista liderado pelo Mahatma Gandhi. Em 1954, foi a vez de a França ser expulsa da Indochina pelos guerrilheiros vietnamitas de Ho Chi Min, encorajados pela vitória comunista na China.

Os sinais de enfraquecimento dos impérios coloniais, somados ao apoio retórico da União Soviética às lutas nacionalistas, estimularam as lideranças africanas a buscar o caminho da independência.

Um dos primeiros projectos foi o do Pan-africanismo, ou a união de todas as nações africanas, formulado pelo líder negro Jomo Kennyata, do Quénia. O principal obstáculo do Pan-africanismo era a diversidade étnica e cultural do continente. Existiam, como ainda existem, muitas "Áfricas" diferentes, impedindo as tentativas de aliança dos países africanos. Essa inexistência de uma "identidade africana" deve-se, em grande parte, ao fato de a África ter sido dominada, dividida e explorada por potências que nunca se preocuparam com os traços culturais daquelas populações.

Uma das raízes mais profundas da dura realidade africana é o mercado de escravos, explorado por árabes e europeus entre os séculos XVI e XIX. Naquele período, mais de 11000.000 de seres humanos foram capturados por portugueses, holandeses, ingleses e franceses, e transportados à força, principalmente para as plantations dos Estados Unidos e para as possessões portuguesas na América.

Encerrado o período esclavagista, no século XIX, as potências coloniais mantiveram o controlo sobre a África, que se tornou fonte de minerais e matéria-prima para a florescente indústria europeia. No processo de colonização, muitas tribos e nações inimigas acabaram unidas à força pelos colonizadores. Por causa disso, as fronteiras dos Estados e regiões reflectiam muito mais os interesses estrangeiros do que a história dos povos locais.

Neste respeito, o  Professor Dr. Carlos Serrano, do  Departamento de Antropologia da USP, comenta: "O tráfico de escravos vai de certa maneira desarticular não só as economias locais mas desorganizar os pequenos reinos, as pequenas formações sociais existentes no litoral do continente, possibilitando futuramente a possibilidade de uma colonização, de uma dominação desses povos. Essa dominação ocorre de uma forma violenta ou estabelecendo fronteiras artificiais, cortando, na maior parte das vezes, segmentos e grupos étnicos. Isso pode ser notado na Conferência de Berlim, onde as principais potências europeias dividem aleatoriamente, segundo seus interesses, o continente africano."

Quando o líder nacionalista Jomo Kennyata falava em Pan-africanismo, ele tinha em vista, provavelmente, muito mais uma estratégia geopolítica do que cultural ou étnica. O objectivo era defender os interesses geopolíticos comuns dos países africanos[15]. Da mesma forma, e também no começo dos anos 50, outro líder nacionalista, o egípcio Gamal Abdel Nasser, defendia um ideal pan-arabista, que centralizasse os interesses do povo árabe. Nos dois casos, do pan-arabismo e do Pan-africanismo, essa unidade serviria de cimento político e ideológico contra os interesses imperialistas.

Foi com esse propósito, de unir os países do Terceiro Mundo, que se realizou a Conferência de Bandung, na Indonésia, em Abril de 1955. A conferência proclamou-se representante dos países não alinhados nem ao bloco soviético nem ao bloco capitalista, mas favoráveis à criação de sociedades igualitárias.

O encontro, convocado pela Indonésia, Mianmar, Sri Lanka, Índia e Paquistão, reuniu 29 países da África e da Ásia. O presidente da Indonésia, Ahmed Sukarno, propôs um compromisso de todas as nações ali presentes de apoio mútuo em casos de agressões de países imperialistas. A Conferência soou como um sinal de alerta para as potências coloniais. Dez anos antes, Sukarno havia liderado o processo de independência da Indonésia, ex-colónia da Holanda. Além disso, em 1954, um ano antes de Bandung, a França havia sido expulsa da Indochina. E, para completar, o pan-arabista Gamal Abdel Nasser havia dirigido, em 52, o processo de independência do Egipto e despontava como líder do norte da África.

Gamal Abdel Nasser, na verdade, era o principal articulador do chamado "pan-arabismo", que propunha a união de todos os países de maioria árabe-muçulmana, como forma de fortalecer a cultura e a causa islâmica frente ao mundo ocidental. Em função da identificação do Egipto com o Islão, o país estava mais próximo do Oriente Médio, do ponto de vista cultural e político, do que dos países da África Negra.

De qualquer forma, o pan-arabismo de Nasser foi de grande importância para a causa pan-africanista, já que as duas iniciativas tinham em comum a luta contra os interesses estrangeiros em seus países. E um dos pilares dessa luta, no caso da África, era exactamente a descolonização do continente.

Outra iniciativa importante para acelerar o processo de descolonização foi a realização, em 1958, da 1ª Conferência dos Povos da África, em Acra, capital de Gana. Na ocasião, os países fecharam um acordo de ajuda mútua contra a Grã-Bretanha, França, Bélgica e Portugal. Àquela altura, a descolonização do continente já estava em andamento.


3.1 O Pan-africanismo e seus precursores.

No final do século XIX surgiu nos Estados Unidos um movimento denominado Pan-africanismo. Esse movimento liderado por intelectuais negros nasceu no período de transição entre o final do comércio negreiro e da escravatura (praticados do século XV ao XIX) e o colonialismo, uma nova forma de dominação imposta pelas nações europeias, principalmente sobre a África, que duraria até às últimas décadas do século XX.

O Pan-africanismo conseguiu unir a raça negra no plano psicológico, criando uma irmandade simbólica entre os negros de todo o mundo, que seria de grande importância no processo de descolonização das colónias europeias em África e na luta dos afro-descendentes contra o preconceito racial.

Assim, define-se por Pan-africanismo como um movimento cultural que visa a igualdade de direitos e a melhoria das condições morais e intelectuais das populações submetidas ao colonialismo.

O termo surgiu, pela primeira vez em 1900, na Conferência de Londres. Inicialmente, tomou a feição duma simples manifestação de solidariedade fraterna entre Africanos e gentes de ascendência africana das Antilhas Britânicas e dos Estados Unidos da América. Serviu-lhe de móbil a discriminação a que eram sujeitos os Negros nos Estados Unidos. A sua longa evolução apareceu como um movimento racial, como um movimento cultural e como um movimento político ou sindical. Ocasiões houveram em que estes três aspectos se confundiram no espírito de alguns dos seus fautores.


3.1.1 Precursores.

O Pan-africanismo foi no início uma forma de manifestar a solidariedade e fraternidade entre os descendentes de escravos africanos, o seu Percursor foi um advogado da Ilha de Trinidade, chamado Sylvester Williams.

Sylvester Williams tomou a iniciativa de organizar, em 1900, em Londres, uma conferência destinada a protestar contra as ocupações arbitrárias de terras ancestrais africanas pelos Europeus, foi nesta conferência que, pela primeira vez se falou em “Pan-africanismo”.

Mas o homem que sistematizou a ideia de Pan-africanismo, foi o Dr. William E. Burghart Dubois, igualmente descendente de escravos, e um dos mais notáveis intelectuais do seu tempo (fim do século XIX e primeira metade do século XX). William Dubois, já fazia parte da primeira burguesia negra, e procurou levar a questão da luta dos negros a nível mundial, e não mais apenas no seu país, e por esta razão, ele é tido como o verdadeiro pai do Pan-africanismo.

Em todos os seus escritos, Dubois advogou o direito dos negros de todo o mundo de viverem como povos livres, e o seu direito à desobediência lá onde estivessem colonizados ou discriminados. Para concretizar as sua ideias, Dubois fundou, em 1908, uma organização chamada NAACP (Associação Nacional para o Avanço ou Progresso dos Povos Negros). Note-se que nesta fundação participaram alguns Brancos Liberais e o primeiro presidente da NAACP foi um branco.

O homem que procurou ir mais além, e popularizou ainda mais o Pan-africanismo foi sem duvida o jamaicano Marcus Garvey, nascido na Jamaica em 1885, e falecido em 1940 em Londres, residindo nos EUA. Marcus Garvey professou um Pan-africanismo agressivo, no sentido em que ele procurou a confrontação com o mundo branco como resposta às discriminações e maus tratos infligidos aos negros. Defendia um racismo ao contrário, e instituições governativas criadas e dirigidas por Negros.

Perante os abusos racistas dos brancos (com linchamentos frequentes de Negros, e exclusões de toda a ordem, ainda vigente no princípio do século XX), Garvey defendia que a força e a violência também deveriam ser as únicas respostas dos Negros. Pois, dizia ele: “a lei foi feita por brancos, a justiça só é para brancos, pelo que a única resposta à discriminação é a força e um contra poder negro, e o não respeito a lei e qualquer crédito à justiça dos brancos”. Assim, ele defendia a criação dos Estados Unidos Negros, com um presidente negro que residiria numa “Casa Negra” (em oposição à “Casa Branca”). Para o efeito, ele vai criar um movimento chamado “ Universal Negro Improvement Association-Associação universal de Melhoria aos  Negro” (UNIA), cujo fim era unificar todos os negros do mundo.

Em Março de 1945, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial realizou-se um Congresso em Manchester (GB), pelo Dr. William Dubois, que viu a entrada em cena de figuras que iriam marcar os destinos da África: Kwame Nkrumah (Costa de Ouro, actual Ghana), Jomo Kennyata (Kenya), T. R. Makonnem (originário das Guyanas britânicas), e Peter Abrahams (escritor sul-africano), e sobretudo George Padmore.

George Padmore, originário das Antilhas britânicas, terá sido o verdadeiro teórico do Pan-africanismo, foi ele que deu a este movimento um conteúdo e uma forma mais concreta, que iria influenciar as ideias das elites das colónias britânicas. Conselheiro de Kwame Nkrumah enquanto este era Primeiro-ministro (1953-1956) e depois da independência do Ghana (1957), Padmore terá tido uma influência sobre Nkrumah na sua teorização da Unidade Africana.

Foi só depois da independência do Ghana, em 1957, que, sob influência de Padmore e Makonnen, Nkrumah retomou a ideia de Marcus Garvey que consistia numa unidade total da África. Desta feita, o Ghana vai tornar-se o epicentro das duas faces da luta pela independência de África: Por um lado a libertação total do continente da colonização; Por outro lado, a luta pela sua unificação, através da união económica e política, e numa longa fase, numa federação de territórios para o sonho garveynista dos Estados Unidos de África.

Antigo aluno dos missionários, Nkrumah estudou nos EUA ( á partir de 1935 ) onde se licenciou em Sociologia e em Economia Política. Durante este tempo, chegou de ser presidente activo da Associação dos Estantes Africanos naquele país e no Canada. No concernente ás ideias, evoluirá sob a influência de combatentes pelos direitos dos negros como Marcus Garvey (um dos pais do Pan-africanismo). Transferido para Londres, ficara extremamente impressionada pelas ideias do antilhano, lutador pelos direitos dos negros em geral e um outro pai conceptual do movimento pan-africanista. Trata-se de Georges Padmore.

K. Nkrumah assegurou o co-secretariado do 50º Congresso Pan-africano de Manchester de 1945, aquele que foi, cronologicamente, o primeiro a formular sem ambiguidades a exigência de uma independência política imediata e incondicional dos territórios africanos ocupados.

A adesão as ideias do Pan-africanismo, isto é, e em linhas gerais, a defesa dos direitos cívicos de todos os negros (da África, América, Caraíbas) e o respeito das suas qualidades enquanto ser humano não foi difícil para Nkrumah visto que, para além de conhecer a situação em África negra, esteve em contacto com os negro-americanos, viu de perto a atitude dos outros em relação a eles.

Como muitos outros, sentiu na pele o racismo, ou seja a discriminação, a injustiça e os maltrato baseados na única cor da pele. Embora os EUA não possuíssem naquela altura colónias em África, não dispunham ainda de leis suficientes que pudessem defender a parte negra da população dando lhe os mesmos direitos que usufruía a população branca.

Foi também aqui que o Pan-africanismo encontrou, em Nkrumah (Francisco Kwame) o seu militante mais lúcido e mais activo e a Negritude, em Senghor (Leopoldo Sedar) o seu mentor mais célebre. É necessário relembrar, enfim, que será nesta parte que vão ser elaboradas, numa África dominada pelos despotismos, formas de democracia que não colocarão em causa as – muitas vezes – frágeis unidades nacionais e não negligenciarão as tarefas urgentes do desenvolvimento.

Foi assim que diversos movimentos de libertação de África receberam do Ghana, do Egipto, de Marrocos e da Tunísia e mais tarde da Argélia, todo o tipo de ajuda material, e de apoio político e diplomático.

Entretanto, a ideia da Unidade de África seguia caminhos muito mais complexos do que se podia esperar, concretamente, surgiram pelo caminho obstáculos políticos que moderaram o sonho de unidade continental, esses obstáculos foram criados pelas próprias elites africanas.


3.2 A reacção Pan-africana.

Foi contra essa ordem histórico-racial-social que os principais integrantes do movimento Pan-africano se insurgiram, propondo (muitas vezes com ideias divergentes) a união de toda a raça negra contra o preconceito a que estavam submetidos. Conforme Georges Balandier[16], o negro depois de ter sofrido uma fiscalização que negava o valor de sua cultura e sua capacidade de iniciativa, sente uma poderosa necessidade de afirmação, e assim procura fazer-se reconhecer como sujeito da história depois de ter sido durante um longo tempo um instrumento manejado por mãos estranhas.

Segundo Elisa Larkin Nascimento[17], o Pan-africanismo foi a teoria e a prática da unidade essencial do mundo africano, reivindicando a unificação da África e a aliança concreta e progressista com uma diáspora unida.

O movimento era constituído por parte daquele “ [...] número surpreendente de intelectuais negros [...] ” formado nos Estados Unidos, conforme observação feita por António Gramsci[18], e que poderiam, segundo o pensador italiano, exercer (como de fato exerceram) grande influência sobre os negros africanos.

De acordo com Pires Laranjeira (1995), Edward Blyden foi o primeiro a falar de uma african personality em uma conferência em Maio de 1893, tornando-se o iniciador do mito africano (ou recuperação do orgulho da raça). Elisalva Madruga[19] (1998), amparando-se numa citação de Abiola Irele, define a african personality como não só o temperamento do africano mas também, e sobretudo, o fundamento na cultura e na civilização africana, da personalidade colectiva dos negros espalhados por todo o mundo, e afirma que para isso Blyden propunha o retorno à Mãe-África.

Para Willians E. B. Du Bois, considerado o pai do Pan-africanismo, “[...] a afirmação do negro não passa pelo retorno ao continente africano, mas pela integração na vida americana, onde há tempo vivia, contribuindo para seu desenvolvimento.”[20] Desse modo, para ele, o retorno à Mãe-África era apenas simbólico, representando um retorno às origens africanas. Mas, segundo Laranjeira[21], Du Bois ampliaria alguns de seus conceitos ao ser influenciado por algumas ideias de Blyden, que o fariam derivar para um tipo de Pan-africanismo pan-negrista que adoptava “ [...] o reconhecimento da identidade negra, na sua realização nacional, integrada, assimilada à nação (no caso norte-americano), solidária com os africanos ou a restante diáspora fora de África.”[22].

Du Bois foi o organizador dos cinco congressos do Movimento Pan-africano: Paris (1919), Londres (1921), Londres (1923), Nova York (1925) e Manchester (1945). Ainda conforme Pires Laranjeira (Ibid.), Sylvester Willians foi quem lançou a idéia de solidariedade fraterna entre africanos e povos de ascendência africana; seu sobrinho George Padmore foi o responsável pela expansão do movimento em direcção à África e Marcus Garvey foi quem causou mais alvoroço entre a população negra norte-americana, arrastando multidões de seguidores e conquistando o posto de líder do Pan-africanismo frente à opinião pública.

Segundo Maria Carrilho[23], ele “ [...] conseguiria atrair milhares de negros, de Harlem e de todo o país, explicando-lhes que nos Estados Unidos jamais obteriam a igualdade: a terra prometida era uma vez mais a África-Mãe, para onde era preciso partir em conjunto. ” Esse retorno à terra prometida é visto por Salvato Trigo como “ [...] um símbolo de libertação e da morte de todo o sofrimento social [...] ”[24], e por Stuart Hall como uma metáfora em que a história “é representada como teleológica e redentora [...] ”[25], circulando de volta à restauração de seu momento originário, curando toda ruptura e reparando cada fenda através desse retorno.

Ainda em relação a Garvey, Laranjeira[26] acrescenta que, com essa idéia quixotesca, megalomaníaca e demagoga, ele fundou uma companhia de navegação, comprando dois navios velhos, nos quais chegou a transportar alguns negros norte-americanos para a Libéria, na época o único país africano independente. Mas enquanto doutrina, o seu Pan-africanismo não teve saída, embora tivesse sido de grande importância na conscientização dos negros da época. Elisalva Madruga, em conformidade com Maria Carrilho, observa que, ainda que o movimento de Garvey não tenha sobrevivido, “[...] as suas idéias, fundamentadas no pensamento de Blyden, bem como as de Du Bois, ficaram a vibrar como acordes no meio americano e, alguns anos depois, surgirá no Harlem uma nova geração de negros empenhados na reabilitação da raça negra, da qual resultará, por volta dos anos 20 e 30, o Harlem Renascence ou Negro Renascence. Movimento do qual participarão, entre outros poetas, Countee Cullen, Langston Hughes, nomes tão recorrentes na poesia angolana.”[27]

Desse modo, através das ideias por vezes divergentes de seus principais líderes, que se dividiam entre aqueles que propunham um retorno apenas simbólico à África como uma forma de se reencontrar com as origens africanas, e aqueles que propunham um retorno físico de todos os negros em diáspora ao continente africano, mas que comungavam do mesmo sentimento de irmandade da raça negra, o movimento Pan-africano foi o responsável pelo surgimento de diversos movimentos culturais que, ao longo do século XX foram de grande importância para a afirmação da arte negra, principalmente a música e a literatura, bem como para o desenvolvimento de uma conscientização político-social em afro-descendentes e africanos.


3.3 O Congresso Pan-africano de Kumasi (1953).

Com o fim de pôr em execução as resoluções de política de base aprovadas pelo V congresso Pan-africano para a África Ocidental e " harmonizar as relações entre os intelectuais e os elementos da classe operária em Inglaterra de acordo com os princípios enunciados na Delegação do Congresso aos povos coloniais", N. Nkrumah, fora da dependência directa da Federação Pan-africana, organizou em Londres, o grupo dos delegados desta parte do continente africano num "comité" regional, chamado Secretariado Nacional da África Ocidental. Este VI Congresso Pan-africano, pela sua organização, objectivos e resultados, não passou de um feito episódio na marcha do Pan-africanismo político.

Toda a actividade do Pan-africanismo foi criando ao longo dos anos, um Congresso e não só, uma nova mentalidade nos africanos, no que se refere aos seus direitos e à sua dignidade de seres humanos. É a noção dos seus direitos e essa dignidade que gradualmente transformou um movimento de carácter geral em movimento mais restrito a nível das nações africanas.

O nacionalismo africano não deve ser assimilado aos sentimentos chauvinistas[28] que em numerosos Estados europeus conquistaram correntes inteiras da opinião pública e de manifestaram por medidas económicas, por decisões político-militares que vão até ao imperialismo (pan-germanismo, fascismo, etc.), ou por tiradas de desforra nacional. O nacionalismo só se justifica quando um povo se encontra oprimido concentrado nele as diversas forças sociais, também humilhadas e que vivem na esperança.

É o despertar nacional, do ressurgimento duma personalidade que tenta afirmar-se em oposição ao poder estabelecido. O nacionalismo africano principiou com os primeiros antagonismos com os estrangeiros e nunca desapareceu por completo. O período colonial constituiu, no entanto, uma fase histórica, a durante a qual este nacionalismo domesticado ou esmagado só se podia exprimir sob a forma de revolta.

Novas circunstâncias históricas vão-lhe conferir a estatura duma revolução. Em 1940, apenas a Libéria, após a anexação da Etiópia por Mussolini, emerge como ilha perdida numa África Negra totalmente colonizada. Vinte anos depois, em 1963, vinte e nove outros Estados de África atingiram a independência.


3.4 As diferentes Organizações pan-africanas.

3.4.1 O Pan-africanismo sindical.

Certamente que não há quem se admire de ainda não se ter conseguido em África a unidade sindical de todo o continente. Em primeiro lugar, tanto os sindicatos membros da U.S.P.A. como os da C.S.A. são nacionais, traduzindo e sofrendo, portanto, as opções políticas dos seus Governos. Embora sem uma ligação necessária, essencial, talvez não haja unidade sindical sem unidade política do continente africano. Em segundo lugar, tão bem como no campo político, são as grandes forças internacionais que ditam e imperam em África, contra tudo o que se possa pensar.

A U.S.P.A. é de inspiração e mesmo de obediência comunista; obedece à F.S.M.A. A C.S.A. alberga, essencialmente, sindicatos filiados na U.P.T.C. e na ORAF. Em terceiro lugar, e não é ponto para menosprezar, à frente da U.S.P.A. e da C.S.A. estão dois árabes: Ben Seddik, marroquino, e Ahmed Tlili, tunisino. A solidariedade árabe influencia por certo as relações entre as duas centrais pan-africanas. Por outro lado, o pan-arabismo político, de uma banda e o factor religioso, que divide o continente negro numa África muçulmana e numa África cristã, da outra, serão obstáculos à efectivação da unidade sindical Pan-africana.


3.4.2 A conferência Pan-africana das mulheres.

No dia 1 de Agosto, animado baile, no instituto dos Goeses, em Dar-es-Salam, fez esquecer tamanhas tristezas... Por fim, a Conferência votou as resoluções seguintes:

Todos os países independentes do continente têm de boicotar o comércio com a África do Sul;

Todas as mulheres se devem unir, a fim de trazerem maior progresso à África, bem como à sociedade, instrução, educação e socialismo;

Todos os países independentes africanos têm de fazer os possíveis por acabar de vez com o Governo dos Brancos em África;

Todas as nações independentes de África têm que pedir a Portugal e à Grã-Bretanha a entrega dos seus territórios aos próprios nativos;

Os Grupos de Monróvia e de Casablanca têm de se unir.


3.4.3 A União Pan-africana dos jornalistas.

Em Maio de 1961, os jornalistas africanos tiveram a sua primeira conferência em Bamako. Reuniu delgados de nove países: Alto-Volta, Argélia, Camarão, Ghana, Guiné ex-francesa, Mali, Madagáscar, R.A.U. e Togo. Os observadores dos países comunistas eram mais do que os 20 delgados africanos à Conferência. Decidiu ele criar a União Pan-africana dos Jornalistas (U.P.A.J.).

O ex-presidente Kwame Nkrumah preferiu o discurso inaugural. Como o tema principal da Conferência era "o papel da informação e da Imprensa na realização da unidade africana", teve ele oportunidade de desenvolver a sua doutrina tão querida de um Governo continental para a África. A nova União fixou a sua sede em Acra. Deposto Kwame Nkrumah em Fevereiro de 1966, a U.P.A.J. sofreu, necessariamente, os efeitos da alteração política no Ghana.

Em Dezembro de 1964, em Argel, decidiu-se criar um fundo de ajuda aos jornalistas que combatessem " pela sua liberdade nos países africanos" e para estabelecer encontros de treinos em África. Até Março de 1965 parece que nada se adiantou neste campo. Na reunião inaugural da Comissão Educacional e Profissional da U.P.A.J. em Acra nesta data, a segunda ideia voltou à baila. Mas a reunião da Comissão Executiva de Abril seguinte em Bamako pouco frutuosa se revelou.


3.4.4 O Movimento Pan-africano da Juventude.

Bem cedo a Federação Mundial da Juventude Democrática se preocupou com a celebração de uma conferência Pan-africana da Juventude. Fizeram-se representar em Conakry 25 países e territórios africanos, com os grupos radicais na primeira linha. O secretário -geral da organização declarou, no seu discurso, que, apesar do povo africano prosseguirem objectivos idênticos, o Movimento Pan-africano da Juventude não tinha conseguido durante o ano qualquer "sucesso positivo" e que os intentos anticolonialistas e anti-imperialistas não se haviam concretizado.


3.4.5 O Movimento Pan-africano dos Estudantes.

A ideia da realização dum seminário de estudantes africanos para discutir os problemas do colonialismo nasceu no VII Congresso da União Internacional dos Estudantes, celebrado em Leninegrado em 1962. Depressa os Nigerianos deram conta que ele poderia servir par dar um passo no caminho para o movimento estudantil Pan-africano. Assistiram 80 delegados de 30 países e territórios e representantes das diversas "Uniões".O problema da escolha da sede da nova organização foi um dos assuntos mais discutidos. O Movimento Pan-africano dos Estudantes quis permanecer livre de qualquer filiação internacional. No entanto tudo indica que esta União esteja manobrando para o integrar na sua órbita. Ao que parece, os movimentos estudantis estão perdendo terreno em África.


3.4.6 A agência/União Pan-africana de notícias, Rádio e Televisão.

Desde a primeira hora que os países comunistas, sobretudo a U.R.S.S., têm procurado controlá-la, prestando-lhe assistência directa, tanto em instalações como em adestramento do pessoal, mormente na Universidade Patrice Lumumba, de Moscovo. A ideia de uma agência Pan-africana de notícias, já há muito que Nkrumah a trazia em mente.

Foi criada em Maio de 1960, numa reunião em Radat, por delegados do Ghana, Guiné ex-Francesa, Líbia, Marrocos, R.A.U. e Tunísia. A iniciativa da reunião partiu conjuntamente de Marrocos e da Tunísia, «para fortalecer os laços de amizade e de fraternidade entre os povos do continente africano através dos meios audiovisuais». Como é norma, por detrás da ajuda técnica está toda a ideologia política empenhada em moldar os homens ao gosto dum humanismo integral marxista.

        

CONCLUSÃO

De tudo quanto abordado e em guisa de conclusão, queremos, antes, mancomunar com George Balandier, quando escreve, em sua tese, a situação colonial como a dominação imposta por uma minoria estrangeira, racial e culturalmente diferente, em nome de uma “superioridade racial e cultural” dogmaticamente afirmada, sobre uma maioria nativa, considerada inferior. Em relação a isto, de acordo a declaração das raças e os preconceitos raciais (1978), Paris/UNESCO, afirma-se nas páginas 39, 45-46, que não existe, entre homens, raça pura, no sentido de população geneticamente homogenética. Todos os homens que vivem actualmente pertencem a mesma espécie humana e descendem do mesmo tronco. A divisão da espécie humana em raças é parcialmente arbitrária ou convencional e não implica qualquer hierarquia de qualquer ordem.[29]

No entanto, as potências coloniais ao apossarem-se dos territórios africanos serviram-se de um aparelho ideológico baseado em pseudociências racialistas e pejorativando o homem negro, com o fim de melhor o submeter. Fosse directa ou indirecta o modo de administração empregado pelos colonizadores europeus, assimilação ou associação, todos tiveram um denominador comum e fins semelhantes.

Embora que, para garantir a acção activa das administrações e “civilizar” os povos africanos, as potências coloniais tivessem que lançar mãos a um projecto de instrução, portanto, no seu conjunto, ao empreenderem os sistemas escolares, desaperceberam-se que estes iriam desempenhar um grande papel na história da África; e foi através destes sistemas que emergiram as elites de letrados e de intelectuais que viriam a ser os promotores da idéia de independência.

Para que as independências em África fosse realidade os intelectuais africanos interinos e na diáspora tiveram que lançar mãos á um dos primeiros projectos: o Pan-africanismo, ou a união de todas as nações africanas.

O Pan-africanismo como movimento e precursionado por vários activistas como Sylvester Williams, Dr. William E. Burghart Dubois, Marcus Garvey, Kwame Nkrumah, Jomo Kennyata, T. R. Makonnen, Peter Abrahams, George Padmore e tantos outros, foi, deveras, o movimento de que os povos africanos precisavam para se libertarem das amarras do colonialismo e de sua ideologias racistas.

Africanos no globo e filhos da mãe África, independente de suas nacionalidades, do passaporte que carregam ou de onde moram, mas aqueles que aceitam e reconhecem que seus ancestrais são directamente da África. Estas são pessoas de ascendência africana residentes na África e outros continentes do mundo, seja por migração forçada ou voluntária. Enquanto povo, os africanos sofreram as piores formas de degradação e desumanização.

 O Pan-africanismo tem sido uma das formas de reverter esta condição.

Os objectivos do Pan-africanismo, expressos de variadas formas pelos ideais, tais quais "De volta à África", "Africanos, uni-vos", "Renascença Africana" e "Estados Unidos da África", não foram alcançados. As lutas violentas e não violentas dos africanos no continente e na diáspora contribuíram significantemente para a independência de nações negras do agrúrio da colonização e do apartheid. Novas gerações de pan-africanista estão construindo sobre os ganhos do passado para enfrentar os desafios do presente e do futuro. Existe, portanto, a necessidade de um cuidadoso reexame, documentação, preservação e disseminação das contribuições dos africanos no globo para o desenvolvimento africano.


Referências Bibliográficas

AMARAL, Ilídio ”Partilhas territoriais e coloniais na África ao sul do sara: jogos políticos africanos no rescaldo da guerra de 1914-1918 ”, in África e a Instalação do Sistema Colonial (c. 1885 – c. 1930): III Reunião Internacional de História de África – Actas/direcção de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa, IICT, Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 2000, pp. 47-70.

ANTOINE, Yves: “Inventores e Sábios Negros”, Editora Nzila, Luanda, 2009.

BALANDIER, G. África ambígua. Buenos Aires: Sur, 1964.

BNOT, Y Ideologias das independências africanas. Lisboa: Sá da Costa, 1980. 2 Volumes.  

BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

CANEDO, Letícia Bicalho: A Descolonização da Ásia e da África. São Paulo/Campinas: Actual/UNICAMP, 1986.

CHALI, Gérard. Mitos revolucionários do terceiro mundo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.  

CORNEVIN, R. Et M. História da África – Das Origens á Segunda Guerra Mundial, Paris Pequena Biblioteca de Payot, 1972.

DAVIDSON, B. Mãe negra África: os anos de provação. Trad. António Neves Pedro, Lisboa: Sá da Costa, Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1981.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 4 ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Trad. Adelaine la Guardiã Resende [et. al.] Belo Horizonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003.

HERNANDEZ, Leila. África na Sala de Aulas. África Contemporânea

KAMABAYA, Moisés: O Renascimento da Personalidade Africana, editorial Nzila, Ensaio-19,Luanda, 2003.

KEITA, Boubacar : A África dos Nacionalismos na luta pelas independêcias aos nossos dias- alguns problemas de compreensão e de interpretação, in Kulonga Especial, 2000

KI-ZERBO, Joseph: História da África Negra, vol. I e II, 3ª edição, publicações Europa-América, Paris, 2002.

LARANJEIRA, P. A Negritude africana de língua portuguesa. Porto: Afrontamento, 1995.

MADRUGA, E. Nas trilhas da descoberta (repercussão do modernismo brasileiro na literatura angolana). João Pessoa: Universitária/UFPB, 1988.

MBOKOLO, Elikia. África Negra. História e Civilizações do Século XIX aos nossos dias. Lisboa, Edições Colibire, 2007.

MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986.

NASCIMENTO, E. L. Pan-africanismo na América do Sul: emergência de uma rebelião negra. Petrópolis: Vozes; São Paulo: IPEAFRO, 1981.

SARTRE, J. P. Em defesa dos intelectuais. Trad. Sérgio Paulo de Góes. São Paulo: Ática, 1974.

SERRANA, Carlos & MUNANGA, Kabengele: A Revolta dos colonizados: o processo de descolonização e as independências da África e da Ásia. São Paulo: Atual, 1995.

SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

TRIGO, S. Introdução à literatura angolana de expressão portuguesa. Porto: Brasília, 1977.     

UNESCO (1980) História Geral da África Vol. VII África sob dominação colonial, 1880-1935, S. Paulo, Ática/UNESCO.






[1] Embora seja apontado Silvester Williams como seu criador.

[2] DAVIDSON, B. Mãe negra África: os anos de provação. Trad. António Neves Pedro, Lisboa: Sá da Costa, Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1981. P.75.

[3] KI-ZERBO, Joseph: História da África Negra, vol. I, 3ª edição, publicações Europa-América, paris, 2002.

[4] MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo, Ática, 1986.

[5] SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.68.          

[6] BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p.414.     

[7] Hernandez, 2003; Mbokolo; Davidson, 1980; Cornevin, 1972 e Ki-Zerbo, 1990.

[8] AMARAL, 2000, P. 48.

[9] AMARAL, 2000, P. 58.

[10] CORNEVIN, 1972, P.P. 12-13.

[11] KI-ZERBO, Joseph: História da África Negra, volume II, 3ª edição, publicações Europa-América, Paris, 2002, p225.

[12] CORNEVIN, 1972, P. 80.

[13] HERNANDEZ, 2005, P.185.

[14] MUZRUI, 1998, P. 590.

[15] É daqui que nasce, obviamente, a idéia de criação dos Estados Unidos da África.

[16] BALANDIER, G. África ambígua. Buenos Aires: Sur, 1964, P.224-225.

[17] NASCIMENTO, E. L. Pan-africanismo na América do Sul: emergência de uma rebelião negra. Petrópolis: Vozes; São Paulo: IPEAFRO, 1981, P.73.

[18] GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 4 ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982., P.20.

[19] MADRUGA, E. Nas trilhas da descoberta (repercussão do modernismo brasileiro na literatura angolana). João Pessoa: Universitária/UFPB, 1988.          

[20] MADRUGA, 1998, P.59.

[21] LARANJEIRA, P. A Negritude africana de língua portuguesa. Porto: Afrontamento, 1995.    

[22] LARANJEIRA, 1995, P.51.

[23] Apud MADRUGA, 1998, P.60.

[24] TRIGO, S. Introdução à literatura angolana de expressão portuguesa. Porto: Brasília, 1977, P.103.

[25] HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Trad. Adelaine la Guardiã Resende [et. al.] Belo Horizonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003, P.29.

[26] Apud LARANJEIRA, 1995.

[27] MADRUGA, 1998, P.60.

[28] Nacionalismo exagerado.

[29] ANTOINE, Yves: “Inventores e Sábios Negros”, Editora Nzila, Luanda, 2009, p. 15.