quinta-feira, 21 de março de 2019

A DIVERSIDADE DAS ROTAS COMERCEIA.




Até hoje, pouco se sabe sobre as várias fases das rotas comerciais do passado longínquo dos antigos reinos que integram hoje o território de Angola. Entretanto, a distância socioeconómica das sociedades africanas desta região, permitiu a abertura de rotas comerciais importantes que estabeleceram a ligação entre os povos das diversas regiões, sejam as mais próximas ou as mais afastadas.
As fontes minerais como sal, ferro, os níveis de produção provenientes da agricultura e da pastorícia ou ainda de uma pequena indústria local (cerâmica, por exemplo), foram suficientes para fazer movimentar homens e mercadorias e fomentar uma complexa rede de comércio, primeiro para os mercados locais que supriam as necessidades mais urgentes das populações locais e áreas vizinhas, ou para as grandes feiras onde a amplitude das transacções comerciais exigia outros recursos, sendo que os seus concorrentes eram provenientes de paragens mais longínquas. A diversidade de unidade de troca nestas transacções explica por si a complexidade destes circuitos comerciais.
De facto, as redes comerciais tradicionais existiam para manter o fluxo de produtos entre o litoral e o interior.
Com efeito, só para citar alguns, paralelamente existia uma diversificada rede comercial luso-africana, que ligava, por exemplo, o Ndongo com os mercados de Mbata, Soyo, Loango, Maiombe e outros.
Do norte importavam-se principalmente tecidos de ráfia que serviam, em Angola, como moeda. Outros bens especialmente apreciados nos mercados locais eram, por exemplo, penas de papagaio, cauda de elefante e madeira vermelha (a famosa tacula).
Pode-se mencionar também os povos Mobiri ou Vili do sul do rio Dande que, provavelmente, já nesta altura, faziam negócios com mercadorias Holandesas. Maior procura tinham, alem dos tecidos, as armas e munições cuja venda à africanos pertencentes a coroa interditava os portugueses aos interior.
Todavia, no interior não eram geralmente os europeus que desenvolviam os processos por eles impulsionados e as feiras não eram igualmente criação europeia. Elas já existiam para responder as solicitações do consumo interno e não só e, com o acentuar desta intervenção, adaptaram-se ao novo quadro vigente. Quer isso dizer, que o comércio de longa distância já existia antes da intervenção europeia. O aspecto novo nesta interacção seria a ligação transatlântica das mercadorias africanas que passaram a chegar a outros mundos.
Entretanto, com a abolição do tráfico de escravos e a consequente necessidade de obtenção de matéria-prima para movimentar as indústrias na Europa, essas rotas foram sendo retomadas pelos novos parceiros comerciais com a intervenção dos portugueses.
Para o efeito, criaram-se caravanas lideradas por exploradores, que com o tempo rapidamente transformaram-se em caravanas de carregadores lideradas por comerciantes brancos, em primeiro lugar, mas também por alguns mestiços, oriundos das comunidades luso-africanas que tiraram proveito das novas possibilidades de posse territorial, de comércio e de ascensão social.
Os caravaneiros eram conhecidos como carregadores, a maioria deles eram escravos à mercê dos seus donos.
Ser carregador não era uma actividade exclusiva de quem tinha a sua liberdade apreendida. Era também uma profissão e entre os carregadores contavam-se homens livres que optavam por assim ganhar a vida, levando nos ombros mercadorias ou pessoas.
No final do século XIX, em Angola, então portuguesa, existiam ainda cerca de 200 mil carregadores. Só no século XX, com o início de construção sistemática de estradas e caminhos-de-ferro, é que os carregadores deixaram gradualmente de ser necessários.[1]

Como responderia?

1.      Que função desempenhavam as rotas comerciais no período pré-colonial?
a)      Cite as diferentes redes/rotas comerciais existentes na altura.
b)      Que produtos eram transacionados?
2.      Cite as diferentes redes/rotas comerciais existentes na altura.
3.      Explique como a ingerência/intervenção portuguesa alterou a natureza das rotas comerciais tradicionais.
a)      Que nome receberam os caravaneiros e porquê?








[1] As caravanas de carregadores, no século XIX, criaram uma densa rede comercial e de comunicação no interior de África. O mérito próprio dos africanos na exploração da África Central, nomeadamente de Luanda às Lundas, é realçado no livro da antropóloga e historiadora alemã Beatrix Heintze através de uma multiplicidade de perspectivas, com especial relevo para o papel dos chefes das caravanas, intérpretes e carregadores. Nessa altura, os exploradores europeus olhavam os Africanos como seres menores. Eram muito poucos os que os consideravam como «indivíduos por direito próprio». A literatura de viagens do século XIX está cheia de preconceitos e da subestimação dos autóctones.


A REPRESSÃO AO TRÁFICO DE ESCRAVOS NEGROS


Como visto antes, a Inglaterra, economicamente mais interessada pela abolição do tráfico de escravos, abraçou de corpo e alma a campanha do abolicionismo. Mobilizando toda a Europa, as nações nórdicas, por exemplo, não hesitaram em apoiar a campanha da Inglaterra porque a abolição do tráfico de escravos não lhes prejudicava em nada.
Depois da lei de 1772 que institucionalizava a proibição do tráfico de escravos, a partir de 1807, os interesses lançam-se na grande ofensiva contra o chamado grande circuito, mobilizando tanto a opinião pública britânica como a internacional.
A partir desta mesma data o parlamento britânico proibia o transporte de escravos em navios ingleses, de igual modo que encarregava a ROYAL MARINE BRITÂNICA no sentido de impedir por todos os meios ao seu alcance a navegação pelo atlântico de barcos que transportassem cargas humanas.
Depois de uma série de leis intermediárias, a abolição completa da escravidão nas colónias ingleses ocorreu em agosto de 1834 através do Slavery Abolition Act que libertou 776 mil homens, mulheres e crianças. Por meio do Aberdeen Act[1], nesse ínterim, a Inglaterra havia declarado guerra aberta ao tráfico.
Depois da independência do Brasil, o tráfico de escravo passou a conhecer características diferentes:
- O primeiro período a considerar é o de 1830, que corresponde ao começo da acção da frota Britânica na repressão do tráfico ao sul do Equador, conhecendo assim uma cessação temporária renascendo depois com formas mais rígidas de organização. Neste mesmo ano nas colónias portuguesas se deixou de cobrar direitos sobre a exportação de escravos, o que fez diminuir profunda e drasticamente os rendimentos públicos e reduzir consideravelmente a margem de manobra das autoridades portuguesas;
- Em 1839 os cruzadores britânicos foram unilateralmente autorizado a visitar e a apressar navios portugueses empregues no tráfico. Esse bloqueio efectuado pela marinha inglesa aos principais portos das colónias portuguesas em África – sobretudo Luanda, Benguela e ilha de Moçambique – provocou uma nova alteração das zonas de embarque;
- 1850 é a data fundamental porque marca o encerramento do Brasil como principal mercado para a mão-de-obra de escravo.
O tráfico não termina de imediato, nem se reduz desde logo, houve uma actividade esporádica e sem significado; sofreu uma alteração qualitativa e foi gradualmente cedendo a troca de mercadorias o lugar dominante na vida colonial.
Com a assinatura do Tratado Grã-Bretanha e Portugal a 03 de Julho de 1842, relativa a conjugação de acções dos dois países no sentido da completa abolição do tráfico, sobretudo, em Angola, as duas marinhas militares receberam ordem de revistar e fiscalizar todos os navios suspeitos de negreiros.
Criaram-se as primeiras Comissões Luso-Britânicas Mistas que residiam nas colónias portuguesas a fim de julgarem todos os casos de apresamento.
A partir de 1845, as medidas contra o tráfico de escravos tomadas pelo governo luso tornaram-se mais eficazes na repressão do tráfico ilícito e o contrabando sofreu um golpe considerável devido:
a)      A existência de um destacamento das forças navais portuguesas que a partir de Luanda capturavam alguns barcos negreiros;
b)      Agressividade da marinha militar britânica que patrulhava o litoral de Angola e o atlântico;
c)      A implantação de uma comissão mista luso-britânica e de um tribunal de arbitragem em Luanda, a partir de 1844;
d)      A interrupção oficial do tráfico pelo facto de o governo brasileiro ter proibido, a partir de 1850, a entrada de escravos no Brasil.

Até aproximadamente 1900, o contrabando de escravos continuou em Angola, muitas vezes sob protecção das autoridades portuguesas, em direcção às Antilhas e Sul dos EUA.[2]
Em 1854, com a campanha abolicionista que aos poucos foi conquistando as gerais simpatias de todos ministros portugueses e britânicos, criou-se uma outra comissão mista: Junta Protectora Dos Escravos E Libertos.
Mas como o tráfico ilegal reorganizou-se e desenvolveu rapidamente concentrando a sua atenção nos territórios de Ambriz, Malembo e Cabinda, onde surgiu a necessidade de o governo luso indemnizar os colonos donos de escravos para que pudessem colaborar com o governo, a fazenda não tinha possibilidades financeiras para o efeito. E como forma de sair da crise que a lei sobre a abolição gerou, em 1848, decretou-se que a abolição só seria efectiva daí á 20 anos, isto é, em 1878. Depois deste último decreto de Sá da Bandeira, foi-lhe encarregue estudar e aprofundar todos os assuntos relacionados com a abolição.

Como responderia?

1.      Porque se diz que até 1834 a Inglaterra havia declarado guerra ao tráfico?
2.      A independência do Brasil foi um marco importante para o processo da abolição do tráfico de escravos.
a)      Mencione as diferentes características da repressão ao tráfico de escravos.
3.      Que medidas medidas contra o tráfico de escravos foram tomadas pelo governo luso a partir de 1845?




[1] Também conhecido como Slave Trade Suppression Act (Lei de Supressão do Comércio de Escravos) ou mais conhecido no Brasil como Bill Aberdeen.
[2] Para a Colónia de Angola este contrbando só terminou em 1961 com a sublevação da Baixa de Cassanje.

O IMPACTO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL (1822-25) NA COLÓNIA DE ANGOLA



Ao contrário dos espanhóis, que lutaram por pedras preciosas, os portugueses optaram pela colonização de base agrícola. Aproveitando-se da sua experiência praticada nas ilhas do Atlântico (Açores e Cabo Verde), fomentaram a cultura da cana de açúcar no Brasil.
Desde muito cedo, Portugal teve o Brasil como a sua jóia da coroa e para lá se produziram todas as políticas para fazer desse território uma fonte e uma reserva para a sua economia. É o comércio de escravos que marca profundamente Portugal – como potência colonizadora -, o Brasil e Angola, este último que, nesse projecto, é a maior vítima.
Num contexto em que a potência colonizadora dependia em diversos domínios, mas sobretudo o económico, de uma colónia, estavam criadas as premissas para a proclamação da independência do Brasil. De facto, esta foi decretada em 1822 amputando Portugal das forças vivas da sua base económica. Assim, uma vez realizada a libertação comercial, o Brasil deixou de ter necessidade da metrópole.
Quando o Brasil ficou independente de Portugal, Lisboa virou-se para os territórios africanos como forma de compensação. Até àquela altura, a África desempenhava o papel de fornecedor de escravos que trabalhavam nas plantações brasileiras. A compensação não seria apenas política, mas também económica. As Cortes de Lisboa tinham formulado a ideia de compensação através de companhias que fizessem o comércio com as colónias como ficou patente em 1822[1]. Mais tarde tornou-se claro que a medida das Cortes visava impedir uma eventual tentativa de anexação de Angola pelo Brasil, porque fora enviada uma expedição militar para Luanda e Benguela.
A instabilidade política que Portugal atravessava dificultou qualquer tentativa de um interesse sólido de Lisboa aos territórios africanos, pois maior parte da atenção era sobre assuntos domésticos perante a falta de meios, financeiros e humanos, para pór em marcha um projecto contínuo. A falta de meios ficou directamente afectada pela independência do Brasil, uma vez que Portugal deixou de ter as receitas anteriormente ganhas. A violência tomou conta de algumas cidades de Portugal continental.
Além deste entrave, os territórios africanos, dispersos, tinham importância devido ao papel que desempenhavam para o Brasil - fornecimento de mão-de-obra escrava - pelo que o seu papel na nova conjuntura era, simplesmente, imaginável.
O aparelho de Estado Imperial foi reformulado, pela independência do Brasil para adequar as instituições ultramarinas aos princípios do regime liberal vigente.
Segundo Bandeira, era imperiosa a existência de quatro governos gerais, três dos quais em África - Cabo Verde, Moçambique e Angola, e uma administração em Goa e um governo particular em São Tomé e Príncipe. Aos governadores concediam amplas atribuições civis e militares e junto com eles funcionariam Conselhos de Governo compostos por chefes de repartições judiciais, militares, fiscais e eclesiásticas. O governador devia consultar ao Conselho de Governo em todos os assuntos de importância.
No terreno, a administração colonial tinha reduzido mão para o controlo vendo-se obrigada a ceder perante os poderes e interesses locais. Isso foi notório na incapacidade de supressão do tráfico de escravos. O Brasil independente tinha assinado, em 1826, um acordo com a Inglaterra visando a abolição gradual do tráfico de escravos até 1830, enquanto Portugal era ainda reticente sobre esta data, até 1836, quando Sá de Bandeira preferiu a abolição unilateral, entretanto ignorada nas colónias africanas.
Devido as divergências com Londres, a política externa de Portugal ficou abalada, devido a posição do primeiro em aprovar um projecto que previa aprisionamento de quaisquer navios portugueses suspeitos de tráfico de escravos e de um julgamento de seus autores em tribunais militares britânicos. A fraqueza de Portugal em fazer cumprir a abolição deveu-se a falta de organização e de força de administração colonial, que dificilmente poderia impor quaisquer medidas de gênero sem risco de sublevação e de perda das possessões.



[1] A 19 de Abril de 1822 entrara nas Cortes uma proposta por meio do Relatório da Comissão do Ultramar. Cfr. Diário das Cortes de 1822, p. 988.

quinta-feira, 7 de março de 2019

JULIUS NYERERE: O LÍDER INCANSÁVEL

O pan-africanista levou o Tanganica à independência em 1961, tendo depois sido também Presidente da Tanzânia. Apesar das falhas, a sua política "Ujamaa" é reconhecida por ter dado à Tanzânia uma identidade nacional.
Viveu: no Tanganica, que mais tarde se tornou Tanzânia, onde nasceu (em Butiama), em 1922. Estudou para ser professor na Universidade Makerere, no Uganda; e Economia e História na Universidade de Edimburgo. Morreu em Londres em 1999.
Reconhecido:
- Pelo seu nome suaíli "Mwalimu", que significa "professor". Nyerere deu aulas de Biologia e Inglês durante três anos antes de conduzir o Tanganica à independência. Foi o primeiro Presidente da Tanzânia unida.
- Pela sua paixão incessante por uma África unida. Contrariamente a Kwame Nkrumah do Gana, Nyerere optou, numa primeira fase, pela união regional da África Oriental. Já Nkrumah defendeu a união direta e completa do continente. Juntos idealizaram a Organização da União Africana.
- Pelo apoio dado aos africanos que lutaram pela liberdade. Depois de conquistar a independência para o seu país, Nyerere seguiu o seu ideal pan-africanista acolhendo e apoiando as rebeliões armadas contra os regimes de Moçambique, África do Sul, Namíbia, entre outros.
- Por ter traduzido William Shakespeare para suaíli.
A reter: durante a Guerra Fria, Nyerere não tomou partidos. Quando a República Federal Alemã pediu ao seu país que cortasse laços com a República Democrática Alemã, como previa a Doutrina de Hallstein, Nyerere recusou, correndo o risco de perder a ajuda alemã, e insistindo na soberania da Tanzânia. Nyerere disse que o seu país "não aceitaria ajuda que implicasse compromissos".
Criticado por: suprimir a opinião dissidente, abandonar outros lutadores da liberdade e ficar com toda a glória para si mesmo. Pensa-se também que Nyerere tenha estado contra a influência dos líderes islâmicos na Tanzânia. A sua política "Ujamaa" não foi bem sucedida na mudança do panorama económico da Tanzânia. Em 1985, Nyerere aposentou-se para abrir caminho para ajustes estruturais económicos no seu país.
Ujamaa: com base na sua experiência como filho de uma grande família e a sua imersão no pensamento socialista da Sociedade Fabiana britânica, Nyerere desenvolveu um sistema de socialismo africano que previa a conexão do socialismo com a vida comunitária africana. O nome "Ujamaa" deriva do termo "família" em suaíli. Em contacto com Jomo Kenyatta do Quénia, Nyerere esteve disposto, a determinada altura, a deixá-lo ser o líder da África Oriental. Ofereceu-se mesmo para atrasar a independência do Tanganica para aguardar a independência dos três países da África Oriental na esperança de unificá-los. Os outros líderes da África Oriental não permitiram que isso acontecesse, o que não impediu Nyerere de perseguir o seu objetivo. Nyerere concentrou os seus esforços na unificação dos múltiplos grupos étnicos da Tanzânia e conseguiu-o, por exemplo, através do uso do suaíli como língua nacional.
Frases famosas:
"Uhuru na kazi (Liberdade e trabalho)".
"Nenhuma nação ou povo tem o direito de tomar decisões por outra nação ou povo".
"A união não nos tornará ricos, mas pode fazer com que seja difícil para África e os seus povos serem desconsiderados e humilhados".
"A educação não é uma maneira de escapar à pobreza, é uma maneira de lutar contra ela".
"Se o desenvolvimento acontecer, as pessoas devem estar envolvidas".
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Apesar das falhas, a sua política "Ujamaa" é reconhecida por ter dado à Tanzânia uma identidade nacional.
No auge da luta da independência no continente africano, poucos nomes podem ser comparados ao de Julius Kambarage Nyerere. Em 1922 nascia em Butiama, na colónia britânica Tanganica, Kambarage, mais conhecido por Julius Nyerere. Filho de um chefe do povo Zanak, Nyerere teve um papel crucial não só na política do seu país, mas também ao nível do continente africano.
Nyerere estudou para ser professor na Universidade Makerere, no Uganda, tendo, mais tarde, e antes de se tornar político, dado aulas de Inglês e Biologia. Por respeito, chamavam-lhe "Mwalimu", que significa "professor" em suaíli.
Em 1949, foi estudar para a Grã-Bretanha, tendo sido o primeiro cidadão do Tanganica a fazê-lo. No país dos colonialistas, Nyerere foi-se aproximando cada vez mais da política no seu país de origem. Numa luta sem derramamento de sangue contra o poder colonial britânico, alcançou a independência do Tanganica em dezembro de 1961. Tornou-se primeiro-ministro e foi eleito Presidente do país um ano depois.
No entanto, estava longe de ser um chefe de Estado comum. Quando questionado sobre o que planeava para o futuro do Tanganica, Nyerere afirmou "não estar a fazer planos". "Acho que isso está a ser planeado pelas próprias pessoas do Tanganica", acrescentou.
Enquanto se manteve no poder, Nyerere foi sempre uma pessoa humilde e com os "pés bem assentes na terra", frisa Victoria Bache, curadora assistente do Museu Nyerere, em Dar-es-Salaam. Segundo esta responsável, Nyerere "amava as pessoas. Não fazia discriminação, vivia como um plebeu. Há imagens dele a agarrar uma picareta, envolvendo-se na construção da nação com os outros".
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Nyerere acreditava que o caminho para alcançar a prosperidade económica era através da união.
Política "Ujamaa"
Por fazer parte de uma grande família, Nyerere acreditava que o caminho para alcançar a prosperidade económica era através da união. Por isso, desenvolveu no país um sistema de socialismo africano denominado "Ujamaa" - um modo de vida coletivo. Para implementar esta política, Nyerere moveu as pessoas das suas comunidades para aldeias artificiais Ujamaa, nem sempre com o consentimento dos moradores.
Outro passo para unir o povo da Tanzânia sob o chapéu da política "Ujamaa" foi a utilização de uma linguagem comum: o suaíli.
Ainda que as suas ideias não fossem consensuais, até mesmo os críticos de Nyerere têm coisas favoráveis a dizer a seu respeito, explica o historiador Said Mohammed. "No meu estudo, a qualquer pessoa que pergunte vai dizer-lhe que Mwalimu é especial. Ele é incorruptível! Não se importava com o dinheiro ou com a riqueza", afirma.
Julius Nyerere deixou a Presidência do seu país, voluntariamente, em 1985, e morreu em 1999.

Fonte: DW - Made for Mindes

KWAME NKRUMAH E O IDEAL PAN-AFRICANISTA

O Muito Honorável Doutor Conselheiro Privado Kwame Nkrumah foi um líder político africano, um dos fundadores do Pan-Africanismo. Foi primeiro-ministro entre 1957 e 1960 e presidente de Gana de 1960 a 1966.
Kwame Nkrumah é conhecido pela sua visão de uma África livre e unida e por ter conseguido a independência do Gana do domínio colonial britânico, em 1957. Mas nem tudo na sua vida foi um triunfo.
Nascimento: 21 de setembro de 1909 em Nkroful, Gana. Morreu a 27 de abril de 1972, em Bucareste, Roménia.
Reconhecimento: Ficou famoso pela luta pan-africanista, tendo levado o Gana à independência, em 1957. Foi o primeiro a ocupar o cargo de primeiro-ministro e Presidente. É substituído em 1966 depois de um golpe de Estad). Foi um dos pais da Organização da Unidade Africana (atual União Africana).
Críticas: Chamaram-lhe marxista por simpatizar com o pensamento socialista. Uma visão que lhe trouxe inimigos dentro e fora do país. Alguns acreditam que os serviços secretos dos EUA foram responsáveis pela sua queda.
Inspiração: Nkrumah inspirou-se na luta de libertação afro-americana. Conheceu Martin Luther King enquanto estava nos EUA e leu W.E.B. Dubois, sociólogo pan-africanista e ativista de direitos humanos com quem trocaria ideias. Enquanto estudava na Grã-Bretanha, Nkrumah cruzou-se com muitos outros africanos que lutaram pela independência, como Jomo Kenyatta, Haile Selassie, Julius Nyerere e Rupiah Banda.
Frases famosas:
"Não enfrentamos nem o Oriente nem o Ocidente: enfrentamos o futuro."
"As revoluções são provocadas pelos homens, por homens que pensam como homens de ação e agem como homens de pensamento."
"A liberdade não é algo que um povo pode dar a outro de presente. Reivindicam-na como sua e ninguém lha pode tirar."
Polémica: Em 2012, foi apresentada uma estátua de Nkrumah na sede da União Africana, em Addis Abeba. Mas porquê Nkrumah? Na Etiópia, muitos acharam que devia ter sido o ex-imperador Haile Selassie a ser distinguido por ser considerado o fundador da União Africana. No entanto, o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi optou por Kwame Nkrumah.
Kwame Nkrumah nasceu na colónia britânica então conhecida como Costa do Ouro. Em 1930, embarcou num navio rumo aos Estados Unidos para estudar. Mais tarde, mudou-se para a Grã-Bretanha onde estudou Direito.
Nkrumah esteve fora do Gana 12 anos e nesse período foi-se tornando cada vez mais ativo em organizações políticas africanas no exterior. Em 1947, decidiu voltar ao seu país e insurgir-se contra o domínio colonial. Foi aqui que fundou o Partido da Convenção do Povo (CPP), que tinha como slogan "Independência já!". Uma década depois, em 1957, Nkrumah tornou-se o primeiro primeiro-ministro do Gana independente. Na altura, os seus apoiantes aclamaram-no em massa. Em 1960, Nkrumah tornou-se o primeiro Presidente do Gana.
"Único e especial”
"Nkrumah foi especial e único no sentido em que não pensou apenas no Gana", considera Wilhelmina Donkor, professora de História da Universidade Kwame Nkrumah. Sonhava com os "Estados Unidos de África". Uma visão que, lembra Wilhelmina Donkor, "atravessou o continente". "Foi por isso que na altura da independência, em 1957, ele fez essa famosa afirmação de que a independência de Gana só estaria completa quando estivesse ligada à libertação total de todo o continente", lembra a professora.
Foi esta visão pan-africana que fez de Nkrumah uma figura venerada além-fronteiras. No entanto, alguns acreditam que isso fez também com que Nkrumah ignorasse os problemas no seu próprio país. No início, as suas tentativas de construir uma indústria no Gana foram promissoras.
Mas após o golpe de Estado que derrubou Nkrumah em 1966, o país herdou uma economia paralisada e investimentos avultados em fábricas que não produziam. Nesta altura, os ganeses comemoraram a saída do poder de Nkrumah.
No entanto, Mike Ocquaye, historiador e político ganês, chama a atenção para a era pré-Nkrumah. "Antes da saída de Nkrumah, faziam-se filas no estádio para se conseguir uma ração de açúcar. É verdade que as fábricas não funcionavam porque começámos a correr antes de podermos caminhar. Mas é importante que o povo não fale apenas sobre a visão [pan-africana]", defende.
Além do colonialismo, Kwame Nkrumah também lutou contra o capitalismo. Era um acérrimo defensor de um "socialismo africano" que pudesse unir a justiça social e as tradições africanas. Mas colocar a teoria em prática revelou-se uma tarefa difícil. A abordagem política de Nkrumah no próprio país era muitas vezes contraditória com o socialismo sobre o qual escreveu. Uma realidade que, segundo Wilhelmina Donkor, continua a ser um interessante tema de estudo, mesmo meio século depois. "Nkrumah era um líder muito interessante porque, por um lado, parecia ter muita retórica sobre o socialismo, mas, na realidade, nem todas as suas políticas eram necessariamente de orientação socialista", lembra a professora.
Fora do Gana, Nkrumah é lembrado sobretudo por defender vigorosamente a ideia de uma união política africana. Uma ideia que se tornou, em parte, realidade com a criação, em 1999, da União Africana, que reconhece Nkrumah como um dos seus fundadores.

Fonte: DW Made for Minds



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O CONTEXTO HISTÓRICO DA ABOLIÇÃO DO TRÁFICO DE ESCRAVOS NEGROS




O tráfico de escravos era um negócio muito lucrativo para os negreiros europeus, desde o século XV. Era tão lucrativo, que os europeus e a sociedade capitalista da época, não pensavam em promover outro tipo de comércio com a África.
A luta aberta contra o tráfico de escravos teve início no século XVI, na época das Luzes (iluminismo). Foram os filósofos, escritores e correntes religiosas da época que tomaram a peito o movimento antiescravista. Sob perspectiva ideológia, o movimento iluminista e o liberalismo foram sérios críticos do escravismo. Logicamente, ao defenderem a liberdade como um direito acessível a todos os homens, os pensadores destes movimentos apontavam a escravidão como um inegável signo de barbárie.
Dentre os mentores destacam-se os seguintes: Voltaire, Montesquieu, Bernardin de Saint Pierre, Elarkson e Willian Wilberforce que em 1788 fundaram a Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos. Estes despertaram a sociedade contra o grande genocídio (o tráfico de escravos e a escravatura).
Em Setembro do mesmo ano, na França foi fundada a Sociedade dos amigos dos negros com a influência de Mirabeau, Condorcet e La Fayette. Graças a estes homens, no dia 4 de Fevereiro de 1794, foi aprovada a convenção sobre a Liberdade dos Negros pela Assembleia Constituinte Francesa.
Dos principais factores que provocaram o fim do tráfico de escravos, destaca-se o factor económico, devido a explosão da revolução industrial por parte da Inglaterra. Devido ao avanço da tecnologia e da abertura de novos mercados, as indústrias precisavam cada vez mais de matérias-primas cuja fonte eram as colónias[1].
Por outro lado, os africanos eram necessários para a produção de matéria-prima e também tinham de se constituirem consumidores dos produtos acabados que saiam da indústria europeia.
A Inglaterra, como necessitava de substituir a agricultura doméstica pela indústria comercial e ainda com o surgimento de correntes humanistas fruto do iluinismo e do liberalismo, foi motivada em 1772 a proibir a escravatura no seu território. Em 1807[2], proibiu o tráfico negreiro nas suas colónias. E, de 1811 a 1834, dava liberdade aos escravos do seu império.
Relativamente as outras potências, a Dinamarca aboliu o tráfico em 1769, Os Estados Unidos da América (EUA) em 1808, os Holandeses em 1814, e a França decretou a abolição em 1848.
Portanto, as significativas transformações económicas da época colocaram o sistema escravista em desuso. O desenvolvimento do capitalismo industrial empreendeu uma nova lógica comercial avessa ao escravismo. Buscando sempre a ampliação de lucros e mercados, as nações industrializadas percebiam que a manutenção de uma população escrava reduzia seriamente o número de consumidores.
Na condição de pioneira do capitalismo industrial, a Inglaterra não poupou esforço para que o tráfico de escravos fosse logo substituido pelo trabalho assalariado. Neste sentido, o parlamento Britânico aprovou, em 1845, a chamada Lei Bill Aberdeen.
Tendo carácter visivelmente autoritório, esta lei autorizava as embarcações britânicas patrulhar e prender qualquer navio negreiro que fosse pego transportando escravos ao longo do oceano atlântico.
Mais tarde, em 1850, a estas patrulhas associam-se a França e os Estados Unidos da América e  deu-se início as patrulhas conjugadas, tornando ilícito o tráfico de escravos negros.
Com o arranque da revolução industrial e abolição do tráfico de escravos os Estados Unidos da América afastou-se do circuito e o comércio tornou-se bilateral entre Europa e África.

  1. O fim do ciclo em angola

Enquanto outras potências aboliam o tráfico de escravos, Portugal continuava intrasigente devido a necessidade de mão-de-obra para a produção de algodão e do açúcar no Brasil e Cuba. Continuou até 1850 e mesmo no limiar do século XX, tendo transformado a escravatura nas suas colónias no trabalho forçado ou sob contrato. Desafiava as partilhas conjugadas (França, EUA e Inglaterra) e a lei sobre a abolição do tráfico de escravos.
Depois de inúmeras negociações, por decreto de 10 de Dezembro de 1836, o Visconde Sá da Bandeira[3] “suprimia” a compra e a venda de escravos nos territórios portugueses situados a Sul do equador.
Em Angola, Portugal viria abolir o tráfico em 1878, mas de forma não oficial continuou a traficar em Benguela até 1905.
A atitude portuguesa de continuar com o tráfico negreiro fez com que se criasse a Comissão Mista Luso-Britânica, cujos os objetivos foram os seguintes:
  • Fiscalizar; e
  • Controlar o processo da aplicação das leis que proibiam o tráfico de escravos, uma vez que a máquina tinha substituído o trabalho escravo.


Tal como ficou patente nas linhas acima descritas, uma vez abolido o tráfico de escravos, como consequência disso, os portugueses criaram no seu lugar o trabalho forçado. Os Angolanos nesta época eram submetidos ao trabalho forçado (prestando serviços nas construções de estradas, linhas férreas, quartéis, nas roças de café, nas fazendas agrícolas, etc.).


FONTE DE PESQUISA
BENDER, Gerald J. (2009). Angola sob o Domínio Português: Mito e Realidade. 2ª Ed. Luanda: Nzila.
KOSHIBA, Luís (2000). História: origens, estruturas e processos. São Paulo: Atual.
KEITA, N. Boubacar. (2009). História da África Negra, ed. Texto Editoras.
KI-ZERBO, Joseph. (1999). História da África Negra, Vol. I e II, ed. Europa_América, 3ª edição.
M’BOKOLO, Elíkia. (2003). África Negra História e Civilizações, tomo I e II, ed. Vulgata-Lisboa.
Manuais de apoio da 11ª e 12ª classe.
_______________________________ 

[1] Mas tudo isto exigia mão-de-obra barata e quanto mais barata fosse os lucros eram maiores.
[2] Nesse ano, o Parlamento Inglês decretou uma lei que considerava o tráfico de escravos Ilegal em todo território e nas suas possessões.
[3] Então Ministro da Marinha e do Ultramar.







LUSOTROPICALISMO: IDEOLOGIA COLONIAL DO ESTADO NOVO PORTUGUÊS


INTRODUÇÃO

A cessação do conflito bipolar, na última década do século XX, resultou numa reestruturação da ordem mundial. Novas alianças começaram a se constituir, as antigas quebraram ou mudaram do seu carácter. Com o fim da rivalidade entre dois blocos, que até então atraira a maior parte da atenção, os pensadores de diversos campos de estudo deram as suas contribuições para a reflexão teórica da nova situação internacional. Um deles, Samuel Huntington, historiador e cientista político americano, no seu artigo que mais tarde passou a um livro chamado Choque das Civilizações, gerou muita controvérsia com a sua tese do futuro conflito internacional baseado nas diferenças entre as “Civilizações”, ou seja, entre os conjuntos de sociedades da mesma raiz cultural, étnica, linguística e/ou religiosa. Huntington definiu vários círculos civilizacionais, entre eles os ocidental, africano e latino-americano.
Seja qual for a fundamentação da hipótese de Huntington, a ideia da existência dos agrupamentos de países baseados nas características culturais comuns não é nada de novo. Uma das teorias que têm este fundamento é a teoria do lusotropicalismo formulada pelo sociólogo brasileiro de renome internacional Gilberto Freyre durante a primeira metade do século XX.
O Lusotropicalismo supõe a existência duma civilização original que se ergueu sobre as alicerces que advieram da expansão portuguesa por zonas tropicais do mundo e do modo particular dos portugueses de se relacionar com as populações indígenas. Foi através desta interacção, que compreende a mútua influência em várias dimensões da vida cotidiana, nomeadamente estilo de se vestir, culinária, comportamento social, ritos religiosos e, não menos, expressão idiomática de, de dois ou, no caso do Brasil, de três elementos, que se criaram sociedades híbridas na sua composição etnocultural.
No entanto, a teoria foi aproveitada pelo regime autoritário português do “Estado Novo” para defender o seu Império Colonial, sobretudo contra as pressões externas. Ora, quando a ditadura fora derrubada, o luso-tropicalismo caiu no desagrado. Não obstante o esforço contínuo de alguns dos intelectuais de manter viva a ideia da solidariedade entre os povos de língua portuguesa, sobretudo em Portugal mas também no Brasil, nos anos que se seguiram após a descolonização portuguesa, nos meados da década de 70, em consequência da complicada situação interna tanto nos países recém-independentes como em Portugal, os destinos dos Estados lusófonos separaram-se. Foi só nos anos 90 quando se realizou a iniciativa luso-brasileira dum projecto de criação da organização intergovernamental, que passou a se chamar “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, com o objectivo de inaugurar um novo período nas relações entre os Estados da língua oficial portuguesa. Na ocasião, o legado de Gilberto Freyre, entretanto falecido, e o seu possível papel na legitimização desta Comunidade, foram evocados.[1]
Na execução deste trabalho fomos levados a fazer as seguintes questões: Que características apresentava a teoria do lusotropicalismo? Qual era o objectivo principal da teoria do luso-tropicalismo em relação as suas colónias? Era dar ao indígena elementos da cultura europeia, fazer deste mesmo indígena um homem culto capaz de estar em pé de igualdade com os europeus, ou mitificar a coabitação social deste através de teorias?
Todavia, para a execução deste trabalho tivemos que dividi-lo em quatro capítulo.
No primeiro capítulo fizemos uma análise, em ternos gerais, do carácter nacional português em relação as antigas colónias perante as novas concepções liberalizantes dos autonomismos nacionalistas de África e Ásia. Visto que depois do fim da Segunda Guerra Mundial, não havia mais clima político no mundo para a preservação de impérios coloniais. A guerra marcou a derrota do Japão, da Alemanha e da Itália, países que tinham um projecto declaradamente colonialista. A própria criação da Organização das Nações Unidas, a ONU, em Junho de 1945, tinha formalmente, como premissa, assegurar a igualdade entre todos os países do mundo. Nesse quadro, os impérios coloniais ainda existentes eram uma anomalia, o resquício de um ciclo histórico já ultrapassado.
É assim que o Estado salazarista procurava a essência de si nas práticas ditas civilizadoras da velha conquista colonial, não mais buscando novas colónias, mas colonizar efectivamente aquelas que já lhe pertenciam há séculos. E o pragmatismo se vai verificar através do lusotropicalismo do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre.
No segundo capítulo fizemos uma abordagem da teorização e ideologia do lusotropicalismo como carácter particular da colonização portuguesa, sobretudo no que diz respeito à atitude dos portugueses para com as populações indígenas.
Já no terceiro capítulo, de forma tão sinóptica, e por o capítulo mais curto, tomamos a iniciativa de abordar a questão do lusotropicalismo através de uma face diferente do prisma: o anti-lusotropicalismo africano. Abordamos este capítulo aproveitando-nos de Mário Pinto de Andrade e Amílcar Cabral.
Por fim, no quinto capítulo, focamos nossa atenção nos projectos políticos, mais ou menos bem sucedidos, de transformação do Império Colonial Português e a consequente criação da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa.
Ora, esse trabalho mostra-nos um certo interesse na medida em que, fica bem patente as formas de como os portugueses puderam manter as colónias sob sua possessão, mesmo no período em que depois da segunda guerra grande guerra, em que se vivia um clima de tensões declínio dos países imperialistas e totalitários, principalmente.
O principal objectivo deste trabalho é analisar as capacidades do luso-tropicalismo como fundamento da ideológico colonial portuguesa.
As metodologias e técnicas utilizadas para a elaboração deste trabalho foram as técnicas de pesquisa bibliografia, e ainda utilização do método histórico. Utilizamos, também, o método comparativo devido as análises de autores que teceram diferentes abordagem acerca do assunto em estudo.
Retornando ao luso-tropicalismo como nosso campo de análise, gostaríamos de afirmar que no trabalho que aqui apresentamos não pretendemos abordar toda história da ideologia lusotropicalista do Estado Novo, importa apenas salientar alguns aspectos desta teoria na medida em que esta referência nos poderá ajudar a compreender a visão do colonialismo sobre colonizado.     

CAPÍTULO I: O LUSOTROPICALISMO E O CARÁTER NACIONAL PORTUGUÊS

Com o fim da Segunda Guerra Mundial o regime salazarista do Estado fascista português obrigou-se a uma nova definição estatutária para a caracterização de suas colónias espalhadas pela África e pela Ásia. António de Oliveira Salazar sabia que, se não tomasse providências urgentes naquele momento de redefinição do desenho geopolítico internacional, os espaços coloniais portugueses poderiam sucumbir perante as novas concepções liberalizantes dos autonomismos nacionalistas (África e Ásia, principalmente) que, formuladas na década de 1940, se consumariam como práticas políticas efectivas pela década de 1950, estendendo-se até meados da década de 1970, transformado em um componente central da ideologia colonial do Estado Novo português.
Salazar, no poder desde 1926, sugeriu novas práticas de Estado para tentar assim recaracterizar o velho Império português. O Império das glórias camonianas dos séculos XVI e XVII era permanentemente reabilitado pelo fascismo salazarista em pleno século XX. O Estado salazarista procurava a essência de si nas práticas ditas civilizadoras da velha conquista colonial. Não buscava novas colónias, mas colonizar efectivamente aquelas que já lhe pertenciam há séculos. A marca emblemática de tais práticas aparece em 1930, através de um documento que se demarcaria como a carta constitucional do colonialismo português contemporâneo, trata-se do Acto Colonial.
Nesse documento sumariavam-se os conceitos e os movimentos institucionais do Estado português centrados em premissas fortemente centralizadoras no que se refere à administração das colónias. Através de práticas de concessão (no jogo diplomático, sujeitando-se a interesses geopolíticos da Inglaterra e dos EUA), o governo de Salazar conseguiu manter ao longo da Segunda Grande Guerra as fronteiras do Império intactas. E, diante dos novos tempos que o pós-guerra estava a impor ao mundo, Salazar, estava novamente sob a contingência de novas concessões. Propôs mudanças na administração colonial e o fazia para que tudo ficasse como estava.
Evidente que tais práticas conjunturais de manutenção estrutural do Império não seriam obra somente da vontade de Salazar. Para justificar “o mundo que o português criou”, teve inúmeros parceiros intelectuais, o apoio dos seus “cães de guarda” (para usar a expressão de Paul Nizan). Os “cães de guarda” do Império referem-se a importantes intelectuais que o assessoraram directamente na condução dos negócios do Estado, ora como ministros ora como Chefes de Centros de Pesquisa ou ainda como representantes diplomáticos junto à ONU.
Faz-se referência apenas a alguns nomes, como o de Armindo Monteiro (que foi Ministro do Ultramar), o de Adriano Moreira (membro da Junta de Investigações do Ultramar [JIU] e criador do Centro de Estudos Políticos e Sociais [CEPS], pertencente à JIU e também Ministro do Ultramar), o de Sarmento Rodrigues (membro da Marinha [Comodoro] portuguesa e também Ministro dos Negócios Estrangeiros) e ainda, Franco Nogueira (diplomata, chefe da delegação portuguesa na ONU, em meados da década de 1950 e ministro do Ultramar). Sobre Armindo Monteiro e Franco Nogueira farei apenas alguns comentários de passagem.
Adriano Moreira e Sarmento Rodrigues terão aqui maior destaque por serem os responsáveis directos pela presença institucional do Lusotropicalismo de Gilberto Freyre junto às práticas reformistas de Salazar no pós-guerra.
Os intelectuais acima referidos tiveram um papel determinante na confecção do ideário político-institucional que se disseminou por todas as áreas no mundo de influência lusitana, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, ou seja, junto ao regime salazarista responsabilizavam-se pela busca do sentido e significado de Portugal no mundo, num momento de crescentes tensões internacionais onde se impunha, na concorrência pelo domínio dos mercados mundiais, a geopolítica bipolar dos EUA e da URSS.
Salazar e seus ideólogos procuraram nesse contexto, uma alternativa que não transfigurasse a historicidade de Portugal no mundo e que não se subordinasse ao domínio de um dos pólos hegemónicos, a maior herança dessa historicidade – o Império Ultramarino. Salazar lutou contra a bipolaridade, não se dispôs a ficar ao lado dos EUA, foi um parceiro esquivo, arredio da política internacional dos EUA. Mas foi também, francamente anticomunista com a URSS.
Salazar e seus ideólogos apresentavam-se ao mundo, como antiliberais e anticomunistas, aspecto que demarcava o cariz essencialmente fascista do regime.
Em 1951, o Acto Colonial de 1930 deixou de ser a marca constitucional directiva das práticas institucionais do Estado português junto às colónias ultramarinas. Com isso, as colónias que eram definidas como tais passariam naquele momento a ser definidas como províncias ultramarinas. Mudava-se a terminologia, mas as práticas e as realidades permaneciam intocadas. Esse é o significado do fim do Acto Colonial. Mesmo não alterando substantivamente em nada a realidade do domínio imperial, ainda assim, o fim do Acto Colonial, não foi apoiado de modo unânime.
Na ocasião, Armindo Monteiro, um dos mais expressivos políticos portugueses do século XX, além de ser um dos articuladores do Acto Colonial, manifestou intransigente posição contrária à revogação daquele documento.
Junto com a reforma constitucional que transformou retoricamente o estatuto administrativo das colónias do ultramar, o governo de Salazar mobilizou gigantesco esforço de propaganda para justificar internacionalmente um país, uma nação de extensos territórios, extensas províncias que do Minho ao Timor faziam de Portugal um só território. É neste momento crucial que a obra e o pensamento de Gilberto Freyre tornaram-se instrumentos da máquina de propaganda salazarista. E isso não aconteceria à revelia de Freyre, muito ao contrário, acabou por aceitar de bom grado o papel de ideólogo salazarista e em alguns momentos foi percebido como um dos mais eficientes cães de guarda do Império.
Em termos gerais, a conjuntura internacional do pós-guerra impunha ao Estado português o esforço gigantesco de cristalizar, em várias frentes, o sentido do seu Império no mundo. Primeiro, buscava-se na ONU o consenso de um Portugal com colónias, mas que não se percebia mais como colonialista – daí as alterações constitucionais. Em segundo lugar, o consenso sobre o sentido dessa realidade histórica, isto é, buscava-se uma arquitectura teórica que justificasse a tradição do colonialismo lusitano ao longo do tempo, como uma estrutura histórica diferenciada daquela ocorrida em outros países colonialistas. E, em terceiro lugar, a necessidade do convencimento social, frente à própria nação, de que tal engenharia administrativa era de fato uma realidade operacional e conseguir justificar assim ao mais simples lavrador português que as terras fecundas e ainda inexploradas da África eram também as terras do seu querido Portugal.
Tal chamamento, derivado desse consenso, teve resultados significativos porque na década de 1950 constatou-se um deslocamento considerável de portugueses metropolitanos para as duas principais colónias africanas – Angola e Moçambique. Em suma, três frentes de luta, três campos de intervenção ideológica que só poderiam ter-se sistematizado com uma complexa engenharia institucional organizada a partir do Estado.
Os principais espaços institucionais de articulação das reformas na esfera estatal foram o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), O Ministério do Ultramar (MU), seguido da Junta de Investigações do Ultramar (JIU) e ainda, o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU) que era a transfiguração, a partir de 1954, da Escola Superior Colonial, criada em 1927 e originada da primeira Escola Colonial, fundada em anexo à Sociedade de Geografia em 1906. Os ministérios como entidades políticas, a JIU e o ISEU como entidades de pesquisa, juntos cumprindo a mesma função ideológica: justificar a perpetuação anacrónica das colónias num mundo cada vez mais hostil a práticas imperialistas e colonialistas.
Entre outros, passaram pelos ministérios, Sarmento Rodrigues – no início da década de 1950 – e Adriano Moreira – no início da década de 1960. O primeiro marcou sua gestão pela consolidação da imagem do Império. O segundo lutou em defesa (física – no combate às guerrilhas africanas pró-independentistas) pela perpetuação dessa imagem. Foi Sarmento Rodrigues quem convidou Gilberto Freyre para uma longa viagem de sete meses por todo o Império.
Foi Adriano Moreira quem organizou, a partir de 1961, a feroz resistência armada das tropas portuguesas contra os primeiros levantes nacionalistas autonomistas (caso específico do Norte de Angola, contra a guerrilha do Movimento Popular pela Libertação de Angola [MPLA], e que também instituiu nessa colónia as práticas repressivas da polícia secreta do Estado – a Polícia Internacional de Defesa do Estado, a PIDE).
Foi Sarmento Rodrigues quem apresentou a obra de Gilberto Freyre a Salazar e quem convenceu este da importância de Freyre para Portugal.[2]
A Junta de Investigações do Ultramar foi uma instituição emblemática das preocupações de Salazar com os novos tempos advindos com o pós-guerra. Surgiu em 1945. Era a transfiguração da antiga Comissão de Cartografia, criada em 1883. A junta compunha-se de vários centros de estudo, institutos de pesquisa, responsáveis pela articulação dos conhecimentos sociológicos e antropológicos e políticos dos povos e regiões ultramarinas. Promoveu inúmeras actividades de pesquisa, várias viagens de estudo às colónias, sempre com o sentido de justificar a singularidade civilizacional do homem português em regiões tropicais. Seu principal centro de pesquisa foi o Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS), criado e dirigido em 1956, por Adriano Moreira[3]. Foi dentro do CEPS que o Lusotropicalismo tornou-se uma factibilidade científica.
Alguns anos mais tarde, com as teses do lusotropicalismo já disseminadas, o CEPS de Adriano Moreira adoptaria também o procedimento das excursões ao Império (Freyre organizaria o mesmo no Nordeste brasileiro, com as missões de estudos do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, promovidas nas décadas de 1950 e 1960). Em 1957, o CEPS promoveu “três missões de estudo para a realização de inquéritos directos nas províncias ultramarinas”. Mas, ao contrário do que se esperava, nessas missões, os pesquisadores acabaram por constatar o que lhes parecia impossível: os colonos portugueses eram racistas! Ainda assim e mesmo com os factos negando o modelo lusotropical de civilização, os pesquisadores do CEPS apontaram logo a solução: “a solução passa pela reeducação dos colonos que já vivem no território e pela selecção de futuros colonos”[4]. Os fatos calavam a mitologia.

1.1 GILBERTO FREYRE: VIDA E OBRA

Não é possível abordar a questão do luso-tropicalismo sem tratar da vida e da obra de Gilberto de Mello Freyre, de autor e grande promotor desta teoria. Embora o conceito do luso-tropicalismo seja a obra-prima do sociólogo brasileiro, a actuação de Gilberto Freyre no campo científico e também, indirectamente, na esfera política era muito mais rica. Como autor dum dos “livros que inventaram o Brasil”,[5]Gilberto Freyre deixou uma marca profunda não só na sociologia brasileira mas também no discurso político do seu país e no pensamento dedicado à identidade brasileira de diversas perspectivas. Durante a sua longa vida,[6]Freyre pisou vários terrenos. O seu envolvimento na defesa da manutenção da solidariedade dentro da “comunidade lusófona” era muitas vezes superficialmente interpretado como uma apologia ao colonialismo português do período salazarista. Passados 30 anos sobre a descolonização do império português, um certo “preconceito anti-Gilberto Freyre[7]subsiste, no entanto, entre alguns intelectuais em Portugal até aos nossos dias.
As obras essenciais da teoria do luso-tropicalismo da autoria de Freyre são, além de outros, sobretudo a famosa Casa-grande & senzala, de 1933, O mundo que o portuguêscriou, lançado em 1940 como uma publicação baseada nas conferências proferidas por Gilberto Freyre durante a segunda metade da década de 30, Aventura e rotina Um brasileiroem terras portuguesas, os dois de 1953, e Integração portuguesa nos trópicos O lusoe o trópico, editadas por instituições do regime português, com objectivo sobretudo propagandístico, em 1958 e 1961, respectivamente.
Sem qualquer dúvida, Casa-grande & senzala é o livro mais popular de Gilberto Freyre cujo impacto na percepção colectiva da identidade brasileira foi profundo e, em certo sentido, revolucionário. A valorização do contributo, até então subestimado ou mesmo rejeitado, das populações indígenas e africanas e sobretudo dos seus descendentes – dos assim chamados “luso-descendentes” - para a construção da sociedade brasileira representa a ideia principal da Casa-grande & senzala. Esta postura persiste ainda hoje em noção geral da sociedade brasileira como originada por três elementos raciais: branco (europeu), negro (africano) e “vermelho” (ameríndio)[8],suportada, por exemplo, pelo intelectual paulistano Sérgio Buarque de Holanda no seu livro Raízes do Brasil, lançado em 1936, não obstante a discordância entre os dois pensadores no que diz respeito ao papel dos portugueses no processo da formação da sociedade brasileira[9].No campo de metodologia, Freyre aproveitou os conhecimentos que ganhara durante os seus estudos nos Estados Unidos da América e a experiência obtida na ocasião da viagem por vários países da Europa e focou na vida cotidiana dos brasileiros na região nordestina, no núcleo inicial da colonização portuguesa do Brasil.
Encorajado com o êxito internacional de Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre avançou na formação duma teoria mais complexa. No livro “O mundo que o português criou”, ele ampliou a sua hipótese sobre o carácter particular da colonização portuguesa[10]a todos os casos da presença portuguesa nos territórios alheios. Em Portugal, as conclusões teóricas que Freyre até então apresentara não ganharam, durante os 30 e 40, muita compreensão. Nessa altura, o discurso dominante nas teorias e prática coloniais de Portugal não era favorável para a valorização do elemento indígena[11].
Apesar da relutância inicial dos intelectuais portugueses em levar a sério as ideias de Freyre, as mudanças da realidade política interna e internacional, nos anos de após-guerra, exigiram uma redefinição dos fundamentos ideológicos da política colonial de Portugal. Com a derrota de alguns dos regimes totalitários na Segunda Guerra Mundial, as pressões de vários sentidos sobre a ditadura portuguesa do “Estado Novo” de inspiração fascista fizeram com que as elites dirigentes de Portugal tentaram acalmar não só as inquietações dentro da sociedade portuguesa mas também as novas tendências anticolonialistas do novo sistema internacional através da adopção de algumas reformas políticas mais propriamente do carácter cosmético e temporal. Não demorou muito para a hipótese de Freyre sobre a capacidade colonizadora dos portugueses fosse adoptada como o argumento principal para a manutenção do Império Colonial nos tempos que testemunharam um nítido crescimento da força moral dos movimentos independentista na Ásia e, mais tarde, em África.
O governo português tirou proveito do lusotropicalismo, que se suportava na ideia da convivência relativamente harmónica dos colonizadores portugueses com os povos indígenas, e até conseguiu comprometer o próprio Freyre com a defesa da concepção “de umanação una espalhada por vários continentes[12]. Gilberto Freyre foi convidado a fazer uma viagem pelas províncias ultramarinas[13]de Portugal e o sociólogo de reputação internacional aceitou. A série de viagens, que consistiu de visitas a todas as colónias portuguesas com a excepção do Timor, deu-se em 1951 e 1952 e desta experiência resultaram os dois livros já mencionados, Aventura e rotina Um brasileiro em terras portuguesas. Foi aqui onde Freyre, pela primeira vez, usou do termo “lusotropicalismo” e, pouco anos mais tarde, até sugeriu a criação duma nova disciplina científica que denominou “lusotropicologia”.
A colaboração de Freyre com o governo autoritário português continuou e o sociólogo não desistiu de defender a existência da “comunidade lusófona”, mesmo confrontado com as guerras coloniais que eclodiram no início da década de 1960. Conforme a sua opinião, os representantes dos movimentos nacionalistas africanos revoltados deviam rejeitar o envolvimento das “superpotências” – dos Estados Unidos da América e da União Soviética – no processo da descolonização portuguesa e orientar-se para os países de língua portuguesa, incluindo o Brasil, que podem oferecer o quadro internacional mais apropriado para a emancipação legítima das nações africanas dentro da comunidade lusófona.[14]
A lenha que Freyre arranjou, com o seu desempenho indirecto na política, para se queimar como cientista não o queimou enquanto construtor dum projecto político idealista.[15]A ideia duma comunidade lusófona baseada nas história, língua e características culturais comuns, dum conjunto natural dos países espalhados pelos quatro continentes do mundo que oferece um invejável quadro para o desenvolvimento da cooperação multidimensional entre as nações de expressão portuguesa. Neste sentido, o pensamento de Gilberto Freyre ganhou muitos cultores em vários campos.

CAPÍTULO II: LUSOTROPICALISMO: TEORIA E IDEOLOGIA

Depois de termos apresentado a génese da teoria do lusotropicalismo, nesta parte do trabalho podemos avançar na abordagem das suas ideias essenciais. Como já foi referido, a obra básica da teoria é Casa-grande & senzala. Aqui podemos encontrar a fundamentação da tese de Gilberto Freyre sobre o carácter particular da colonização portuguesa, sobretudo no que diz respeito à atitude dos portugueses para com as populações indígenas e os escravos importados de África.[16]
Os pontos principais da teoria, ou seja, as características específicas dos portugueses, que Freyre relaciona com o desempenho colonial desta nação, são os seguintes:[17]
·         Mobilidade: Pertence à história geral de Europa o facto de que eram os portugueses que, dito com Camões, navegaram “por mares nunca dantes navegados”. Os historiadores aduzem diversas razões que os portugueses tinhampara se empreenderem na aventura marítima, cuja análise é contudo irrelevantepara o objectivo deste trabalho. Numerosas viagens dos portugueses, juntocom a importância dos portos de Portugal como pontos de encontrodos comerciantes da origem mais diversa, resultaram, como afirma Freyre, numatolerância excepcional e aptidão de convivência tranquila com as pessoas oriundasdos outros círculos civilizacionais.
·         Miscibilidade: A pedra angular da teoria, a alegada capacidade dos portuguesesde se relacionar sexualmente com outras pessoas sem qualquer preconceito racialfoi, como sublinha Freyre, o instrumento principal da expansão portuguesano mundo[18].Os numerosos casos de miscigenação, mesmo em resultadoduma política oficial de casamentos mistos promovida, de vez em quando, pelosdirigentes da colonização[19],representam o sinal de reconhecimento da presençaportuguesa nos outros continentes que a distingue entre as potências coloniais.
·         Aclimatibilidade: As condições físicas de Portugal continental, sobretudo no sul do país, são bastante parecidas com as do Norte de África ou de outras regiões na zona tropical, o facto que, segundo Freyre, representa uma vantagem comparativa dos portugueses contra as outras nações europeias envolvidas no projecto colonial, sobretudo contra as do Norte de Europa – nomeadamente os holandeses e ingleses. A capacidade de aguentar os caprichos do clima nas regiões tropicais faz com que, deste ponto de vista, os portugueses não tinham maiores problemas para se instalarem nas terras quentes de forma permanente.

Na opinião de Gilberto Freyre, estas três características especiais dos portugueses têm a sua origem na génese étnica e cultural do povo português, quer dizer, na contribuição dos Mouros e judeus para o perfil etnocultural dos portugueses[20]– uma ideia que não ganhou muita simpatia entre as elites políticas portuguesas durante a primeira metade do século XX.
As conclusões que Freyre publicou no livro Casa-grande & senzala foram tiradas da experiência brasileira ou, mais concreto, da situação na região nordestina deste país. Freyre analisou a vida cotidiana nalgumas das fazendas no Nordeste e constatou que “no Brasil, as relações entre os brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um lado, pelo sistema de produção económica – a monocultura latifundiária; de outro, pela escassez de mulheres brancas, entre os conquistadores[21]. O sistema do “patriarcalismo escravocrata e polígamo[22]fez com que se formou na América tropical “uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração económica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição[23].
Esta qualidade híbrida do perfil etnocultural do brasileiro, que na sua essência é o ponto crucial para o conceito do luso-tropicalismo, foi condicionada por dois factos, cuja fundamentação já foi apresentada:

1.       A falta do preconceito racial entre os portugueses no que diz respeito ao relacionamento sexual com as mulheres de cor e até a preferência pelas mulheres da origem racial mista;[24]
2.      A capacidade dos portugueses de se adaptar às condições do ambiente tropical, incluindo a adopção de alguns dos costumes da gente indígena, quando preferível.

Como já mencionámos, Gilberto Freyre não se contentou com a aplicação da sua visão apenas ao caso brasileiro. Como afirma n’O mundo que o português criou, é o carácter específico do comportamento dos portugueses no papel dos colonizadores das terras tropicais que se encontra atrás do surgimento dum “mundo que, como conjunto de valores essenciaisde cultura, como realidade psycho-social, continua a existir. Sobrevive á desarticulaçãodo império simplesmente político. Resiste á pressão de outros imperialismos meramenteeconómicos ou políticos[25]. E, alguns anos mais tarde, destaca que é a “superaçãoda condição étnica pela cultural [que] caracteriza a civilização luso-tropical”.[26]Sobre o modo português de estar nas terras alheias ele acrescenta: “eles vêm transformandobeneficamente os trópicos, sem pretender torná-los europeus ou sub-europeus. Isto porque,antes de procurarem transformar os trópicos, eles próprios se vêm transformandoem luso-tropicais, por assim dizer, de corpo e alma, isto é de cultura no seu mais amplosentido antropológico e sociológico “.[27]

Em resumo, o conceito do luso-tropicalismo, ou da civilização luso-tropical, fundamenta-se no fenómeno da miscigenação não somente no sentido racial mas sobretudo na sua dimensão cultural e social, quando as mútuas influências resultaram em surgimento duma entidade cultural original. O processo de miscigenação foi possível por causa da atitude especial dos colonos portugueses para com as populações nativas: a ausência do preconceito racial, a capacidade de se adaptar às condições do âmbito tropical e o gosto pelas mulheres de cor. A miscigenação é o marco de reconhecimento da colonização portuguesa entre as das outras nações europeias. Ora, conforme Freyre e os seus seguidores, a comunidade lusófona, que além de Portugal consiste do Brasil e dos países de língua portuguesa em África e na Ásia, é uma realidade que se suporta nos laços afectivos e com a solidariedade que não podem ser contestados pelos interesses económicos ou geopolíticos, tanto internos como de exterior.
O próprio Gilberto Freyre estava aberto às críticas da sua teoria. Algumas até incorporou n’O mundo que o português criou.[28]A maioria das reacções críticas concentra-se nos pontos evidentemente fracos do conceito apresentado por Freyre:

·  A imprópria generalização de uma experiência particular do Nordeste brasileiro, que tem pouco em comum com a situação nos restantes territórios sujeitos à influência portuguesa.
·  A falta dos fundamentos empíricos para a afirmação sobre a ausência do preconceito racial entre os colonizadores portugueses.[29]
·   O carácter controverso do fenómeno da miscigenação, salientado por Gilberto Freyre, que se realizou quase em exclusivo na sua forma sexual fora de casamento, sem trazer qualquer benefício social, na maioria dos casos, para as mulheres de cor e para os seus filhos mestiços.[30]
·         O envolvimento pessoal de Freyre na fundamentação ideológica da política colonial portuguesa prejudicou-o enquanto cientista.

Eis os prós e contras do luso-tropicalismo como teoria. O próprio Gilberto Freyre comprometeu-se com a ideia da solidariedade lusófona e toda a sua vida fez muito esforço para manter as relações entre os povos de língua portuguesa, e sobretudo entre os brasileiros e portugueses, vivos e mutuamente interessantes.


2.1 O IMPÉRIO PORTUGUÊS: DIVERSIDADE
NO TEMPO E NO ESPAÇO

Portugal foi a primeiro potência mercantil europeia dos tempos modernos. De certo modo, podemos situar na conquista de Ceuta, cidade marroquina, em 1415, o início da expansão ultramarina portuguesa. Esses 560 anos podem ser didacticamente divididos em três grandes fases: o império asiático, o brasileiro e o africano, este comumente chamado, a partir da ocupação iniciada na segunda metade do século XIX, de o Terceiro Império.
Não conseguimos, à luz da história, enxergar essa essencialidade, essa quase perpetuação genética de aptidões e comportamentos do português, como nos quer levar a crer Gilberto Freyre, que tenham sido mantidas em épocas tão distintas, face a territórios e povos tão diferentes a quem os colonizadores lusos aplicaram métodos bem diferenciados de colonização visando objectivos específicos distintos.
As tais características básicas e permanentes dos portugueses que, segundo Freyre, possibilitavam-lhes uma atuação “amorosa” nos trópicos não têm sido assim avaliadas por inúmeros autores e não encontram respaldo nem nos diferentes textos legais de Lisboa e nem nas estatísticas. Dessas três características, já se abordou aqui a adaptabilidade aos trópicos (rala e tardia na África, só se intensificou após 1920) e a mais louvada de todas, a miscigenação. Vejamos agora a “mobilidade”, propiciadora da promoção cultural e social dos autóctones, que criaria essa comunidade lusíada de valores e sentimentos, segundo Freyre.
O veículo dessa promoção e comunhão de valores e sentimentos seria a assimilação, a pedra de toque da colonização portuguesa. Em Angola, Moçambique e Guiné, as populações eram divididas em indígenas e civilizadas. Compunham este último grupo os colonos e os assimilados. Para atingir este estatuto, os candidatos africanos deveriam provar falar a língua portuguesa, ser maior de 18 anos, ter meios de subsistência para si e família, não ser refractário ao exército, ter o pagamento dos impostos em dia, e condição subjectiva e difícil de transpor: “ser considerado como tendo qualidades necessárias para o exercício dos direitos de cidadão português”. O colono era, a priori, considerado civilizado.
No entanto, o censo de 1950 indicava que 8,9% dos colonos eram analfabetos e 64,4% deles só tinham frequentado os primeiros anos (3 ou 4) do ensino fundamental. Para não concorrer nos empregos com esse “pequeno branco”, a aquisição do estatuto de civilizado por parte dos negros passou a sofrer ainda maiores restrições a partir do grande afluxo de colonos motivado pelo boom do café no pós-guerra. Desta forma, o censo de 1950 dava para Angola um número de 30.089 assimilados, isto é, 0,74% da população. Nas outras duas colónias, o percentual era ainda menor. O percentual chega a cerca de 1% em 1960 e o estatuto será abolido após o início da luta de independência em Angola, em 1961, quando, na teoria pelo menos, é generalizada a condição de cidadãos aos africanos, negros e mestiços.
Ser indígena ou assimilado determinava muito da vida do africano. Assim, o indígena estava sujeito ao trabalho forçado – essa, talvez, a grande marca do colonialismo português – imposto pelo Estado, ao pagamento de um imposto de soberania, não tinha direito à propriedade privada (só à posse consuetudinária) e nem sequer acesso directo a uma escola do Estado sem passar antes por uma administrada pelas missões cristãs; não tinha, claro, acesso à função pública[31]
É o momento de chamarmos a atenção para as diversas heranças culturais portuguesas herdadas dos períodos mercantil e colonial pelos africanos e hoje tão adaptadas e incorporadas ao seu património cultural. Só que elas não precisam da essencialidade ahistórica do lusotropicalismo para explicá-las. Mais ainda: essas heranças não foram sempre impostas pela coerção colonial. Frequentemente eram assumidas voluntariamente, ora como valores positivos em si mesmos, ora como maneira de melhor superar certas barreiras coloniais[32]
Um erro que não é monopólio de Gilberto Freyre, mas da história colonialista da África e do que sobrou dela ainda hoje, é o de caracterizar os processo de colonização de modo generalizado, estabelecendo diferenças apresentadas como específicas segundo a potência europeia. Cada uma teria uma característica geral própria, algumas melhores que as outras, numa escala valorativa que não condiz com a diversidade de colonização mesmo quando praticada pela mesma metrópole. Exemplos: os ingleses praticavam uma política de colonização indirecta em territórios da África Ocidental (Nigéria é o exemplo clássico) e outra, de consequências bem mais funestas, nas colónias de povoamento branco da África Austral, Central e Oriental (África do Sul, Rodésia do Sul – actual Zimbabué – e Quénia, em menor grau). A França foi bem diversa na sua colonização de povoamento da Argélia (quase um milhão de colonos) do que na sua colónia de exploração ou enquadramento do Togo. Não faz portanto sentido usar a expressão geral e indistinta de colonização portuguesa na África se não diferenciarmos os períodos e os territórios referidos, seja no aspecto político, administrativo ou económico.[33]
    O que acabamos de afirmar não anula que a metrópole não possua ideologia, doutrina e política coloniais que, afora aspectos bem gerais, são aplicadas diferentemente para cada território e fase da colonização. Na sequência desta observação vem a lume analisar a legenda o luso e o trópico. Conceição Neto, mais uma vez, é lúcida e sucinta sobre a questão:
“É evidente que as dinâmicas sociais que acompanharam a colonização não resultaram simplesmente do impacto de um luso (abstrato e idealizado) sobre um trópico, ainda mais mitificado. Que historicamente falando, não houve um trópico, já é hoje consenso geral. O que existiu foram diversas civilizações nas regiões tropicais. Mas também é preciso afirmar que o luso não existiu (nem o gaulês, nem o anglo-saxônico), na história do avanço colonizador; existiram grupos, indivíduos, instituições do Estado e privadas que agiram de modo diverso ou até contraditório, condicionados pela cultura do seu tempo e pelos interesses que defendiam. Uma das mais imediatas críticas a Gilberto Freyre é precisamente ao caráter essencialista da sua explicação que acaba, assim, por se aproximar das teorias racistas que ele quis combater”.[34]

CAPÍTULO III: O LUSOTROPICALISMO E A CRÍTICA AFRICANA

Segundo João Medina[35], Mário de Andrade foi o primeiro crítico do lusotropicalismo de Freyre dedicado à África. Sob o pseudónimo de Buanga Fele, ele publicou na revista Présence Africaine (v. 9, n. 5, out.-nov. 1955) um artigo intitulado “Qu’est-ce que ‘le tropicalismo’?
“Segregação e assimilação são formas políticas através das quais a colonização garante os seus privilégios contra a legítima vitalidade dos povos colonizados. Trata-se de manter uma barreira entre os níveis de vida das duas populações e de evitar que a direção político-econômica seja disputada contra o europeu.
Contudo, a assimilação e a segregação assumem formas diversas segundo características históricas, demográficas e econômicas do complexo colonial (...) Portugal é demasiado pobre pela sua demografia e recursos metropolitanos para que a segregação possa obter resultados nas suas colónias da África a não ser pela limitação sistemática da ascensão social dos autóctones e pelo sacrifício de uma parte do branco. Os compromissos são difíceis de evitar nos meios pobres. No Brasil e nas colónias africanas via-se por vezes o português aceitar cumprir tarefas que os outros europeus consideravam indignas de branco” (grifos do Autor, p. 24).

Ainda Andrade:

“Freyre se recusa em ver o funcionamento do aparelho colonial como sendo antes de tudo uma empreitada económica dirigida por um poder político. Essa recusa é a maior fraqueza da sua sociologia (...). No fundo, a mestiçagem foi largamente praticada no Brasil não em virtude de considerações morais ou visão política, mas por uma simples circunstância: o número extremamente reduzido de mulheres” (pp. 27 e 28).

Andrade duvida de uma vocação mais cristocêntrica que eurocêntrica do português; isto face a uma prática escravocrata manchada de sadismo (o que é reconhecido por Freyre) por mais de três séculos. Aliás, na África, lembra Andrade, “essa mestiçagem teve certa força no passado mas se perdeu com o colonialismo praticado, sobretudo, após 1920. “O lusotropicalismo não é válido para explicar a formação do Brasil e é inteiramente falso para as circunstâncias do colonialismo português na África” (p. 12).
Andrade conclui esta parte da crítica dizendo:
“Bem, aqui está o corolário: uma parte da África, da Ásia, da Oceania e da América dominada por um pequeno número de portugueses valentes que traziam no sangue a herança tropical do cruzamento com os mouros e carregavam a marca de uma unidade de sentimentos e de cultura. Não sabemos justificar melhor a colonização portuguesa” (p. 30).
Na Antologia de Poesia Negra de Expressão Portuguesa[36], Mário circunscreve o seu entendimento do que se poderia chamar de lusotropicalismo:

“(...) como um movimento de integração de valores tropicais na cultura lusitana ou de circulação de produtos em áreas de influência portuguesa; nunca como uma harmonização de valores europeus (lusos) com os africanos ou orientais”.

Mais adiante (p. XII) aborda a questão da assimilação que, segundo ele:

“Traduz-se sempre na prática de uma desestruturação social dos quadros negro-africanos pela criação de uma elite assimilada” [Os “portugueses” de 2ª classe}.

A interpretação do lusotropicalismo como uma ideologia justificadora em si mesma do colonialismo português – independente do uso e abuso que dela fez o salazarismo – foi feita por outro intelectual e político, Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde.

“Criou-se um mito com todas as peças. E como todos os mitos, sobretudo quando eles dizem respeito à dominação e exploração dos povos, não lhe faltou o ‘homem de ciência’, no caso um sociólogo renomado, para dar-lhe uma base teórica: o lusotropicalismo. Gilberto Freyre confundiu, talvez involuntariamente, realidades (ou necessidades) biológicas e realidades sócio-econômicas, históricas, e fez de todos nós, povos das províncias colônias portuguesas, os bem-aventurados habitantes do paraíso tropical)”.

Linhas adiante, Amilcar Cabral nos conta sobre a força que esse mito possuía – a imagem  mestiça do Brasil contribuía para isso. Na Conferência dos Povos Africanos, realizada em Túnis, em 1958, ele ouviu de um colega africano: “Ora, o caso de vocês é diferente. Não há problemas entre vocês e os portugueses”.
Contrastando com a realidade apontada por esses dois autores “luso-africanos”, Freyre afirmava que a marca das terras descobertas e colonizadas por Portugal não teria sido a de “terras violadas ou conquistadas à força bruta, mas docemente assimiladas”[37].
No entanto, a pesquisa minuciosa de René PÉLISSIER[38] quando contabiliza que a conquista do interior de Angola custou aos portugueses mais de 180 campanhas militares, considerando somente o período 1845-1920. No final do século XIX, 45% do orçamento de Angola era gasto em operações militares que envolveram cerca de 40 mil militares.
Para ilustrar a influência perdurante do lusotropicalismo nalguns círculos académicos em Portugal, Pereira afirma: “[...] a Comunidade Lusófona surge-nos como sendo a que parece dar maiores garantiasde solidez e capacidade de poder vingar no quadro internacional, podendo mesmo ser a quepoderá iniciar um novo caminho na afirmação de culturas – transformar uma comunidadecultural num grande espaço económico e polítitco-diplomático de afirmação mundial.Tal justifica-se, como já foi afirmado, tendo por base o modelo de relacionamento que o povoportuguês sempre estabeleceu com os naturais das suas províncias ultramarinas e que fezcom que o desenvolvimento das colónias tivesse sido grande e quase idênticoao da metrópole [sic].[39]


CAPÍTULO IV: O IDEAL E A REALIDADE DUMA COMUNIDADE LUSÓFONA

Nesta parte do trabalho focaremos nos projectos políticos, mais ou menos bem sucedidos, de transformação do Império Colonial Português obviamente sem futuro viável na sua forma tradicional em alguma outra entidade do interesse comum.
Em consequência da proclamação da independência do Brasil, em 1822,[40]as tentativas de dar uma nova forma a todo o espaço lusófono podem ser traçadas já durante o século XIX. Tendo a emancipação política da colónia portuguesa na América do Sul o carácter menos violento possível, e devido à manutenção da dinastia de Bragança no poder no Brasil, os laços entre os dois países não romperam totalmente.
As remessas dos emigrantes portugueses no Brasil sustentaram por muitos anos a economia nacional portuguesa e o novo Estado brasileiro independente beneficiava das capacidades dos portugueses enquanto comerciantes, nomeadamente do tráfico dos escravos da costa africana. No entanto, foi só no início do século XX quando algumas iniciativas por parte dos intelectuais brasileiros lusófilos, do projecto duma confederação luso-brasileira ganharam fôlego. Simultaneamente apareceram as reacções contrárias que surgiram na forma das organizações destinadas para impedir qualquer aproximação política da intenção confederalista com a antiga metrópole europeia.[41]
Sem embargo, as atitudes das elites políticas brasileiras para com Portugal variavam conforme as preferências dos dirigentes da determinada época. É conhecida a simpatia que os presidentes Vargas e Kubitschek tiveram com Portugal, mesmo como é notória a mudança da política externa brasileira desde o governo Jânio Quadros no início dos anos 60. O alinhamento do Brasil ao “Terceiro Mundo” reflectiu-se também nas relações lusobrasileiras, sobretudo através da oposição do Brasil à política colonial portuguesa no forum internacional. A coincidência desta reviravolta da política exterior brasileira com o desencadeamento das guerras coloniais em África portuguesa afectaram, por alguns anos, as relações entre os dois Estados. O rumo anticolonialista do governo brasileiro não mudou, nem após o golpe de Estado de 1964 com que se instalou uma ditadura militar. A ideia duma “Comunidade Afro-Luso-Brasileira” edificada na base voluntária como uma solução viável para o grave problema colonial português continuou dominar na política externa brasileira.[42]
Um processo diferente de aproximação ocorreu no outro lado do Atlântico. Os representantes da mesma orientação política dos movimentos nacionalistas nas colónias portuguesas em África formaram uma organização comum – a Conferência das OrganizaçõesNacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) - com o objectivo de coordenar as suas actividades anticolonialistas, sobretudo no campo internacional.[43]Depois de terem alcançado a independência, nos meados dos anos 70, os dirigentes destes movimentos nacionalistas, que entretanto tomaram poder nos respectivos países, criaram um grupo informal dos PaísesAfricanos da Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que aliás nunca veio a se institucionalizar numa forma sólida. Ao contrário do que era de esperar, os países lusófonos em África optaram pelos modos diferentes do seu enquadramento internacional.[44]
As pressões de dois lados – do Brasil e da África – a Portugal para este acabar com o sistema vigente do império colonial, e em consequência do desenvolvimento no âmbito internacional quando todas as potências coloniais europeias na década de 60 concluíram o processo da descolonização, as elites portuguesas foram obrigadas a se preocupar com o problema colonial. O espaço para uma possível mudança política não era amplo.
De maneira semelhante como aconteceu depois da independência do Brasil, cujo impacto profundo na sociedade portuguesa resultou em surgimento dum forte sentimento da necessidade de sustentar a posse dos territórios ultramarinos para a própria sobrevivência da nação portuguesa independente, e levando em consideração a alegada ameaça da absorção pelo seu vizinho espanhol, um sentimento de medo da perda da identidade nacional ressurgiu também durante o século XX.[45]Dada a vontade comum de manter os domínios ultramarinos, a polémica levantou-se sobre a organização do império. Duas correntes principais, a da manutenção da política de assimilação e do Estado unitário, e o ponto de vista oposto favorável à descentralização ou até à federalização do império, chocaram-se muitas vezes tanto entre os grupos de oposição ao regime como no próprio seio de poder.
Para a própria sobrevivência da ditadura do “Estado Novo”, a postura integralista e assimilacionista, pelo menos nos termos da lei e do discurso político, não permitiram qualquer desvio da ideologia oficial do “Império Colonial Português [...] solidário nas suaspartes componentes e com a metrópole”.[46]Não obstante algumas reformas do enquadramento jurídico da política colonial portuguesa, o regime personalizado por António de Oliveira Salazar, o primeiro ministro que, de vez em quando, ocupou também a pasta de colónias, nunca mudou esta postura até à sua derruba, em 1974, já após a morte de Salazar. No entanto, em reacção a alguns acontecimentos importantes (e.g. fim da Segunda Guerra Mundial, adesão de Portugal à Organização das Nações Unidas, início das guerras coloniais etc.) surgiram diversos projectos de reforma do império.
Um deles, da autoria de próprio Marcelo Caetano, o futuro sucessor de Salazar no cargo do Presidente do Conselho dos Ministros, até propõe, em 1962, a federalização do império.[47]É característico que a proposta de Caetano não veio a se realizar, embora o então professor de Direito na Universidade de Lisboa passasse ao de facto chefe do Estado em 1968. Do carácter diferente foi a iniciativa de Adriano Moreira, o antigo Ministro do Ultramar reformista e, na respectiva altura, presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, que deu impulso, em 1964, à criação da União das Comunidades de CulturaPortuguesa e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, um projecto da matriz cultural mas também com uma importância política. Não obstante as possibilidades promissoras deste projecto, a falta do apoio por parte dos dirigentes do Estado pôs fim a esta iniciativa, ainda durante a década de 60.
A reforma da Constituição portuguesa, em 1971, que concebeu o estatuto de “Estados” às províncias de Angola e Moçambique, sem definir claramente o conteúdo deste estatuto, representa uma das últimas tentativas, afinal em vão, do governo português de salvar o Império Colonial. António de Spínola, na época governador-geral da Província da Guiné, no seu célebre livro Portugal e o Futuro, de 1974, de novo denunciou a postura errada do governo português e ofereceu a sua visão duma “Comunidade Lusíada”.[48]
São notórios os acontecimentos que sucederam à Revolução dos Cravos de 1974. A descolonização relativamente caótica, o envolvimento entusiasmado de Portugal no projecto da integração europeia, o trauma das guerras coloniais persistente, as prolongadas e desastrosas guerras civis que eclodiram em Angola e Moçambique, uma situação difícil na Guiné e em São Tomé e Príncipe, a “década perdida” dos anos 80 no Brasil ou as mudanças no campo internacional, tudo isto encontra-se atrás da relativa redução dos contactos entre os Estados lusófonos. Foram necessários vinte anos para os dirigentes pudessem encontrar uma nova plataforma para a cooperação entre os países da língua portuguesa.
Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, fundada em 1996 por 7 países de língua oficial portuguesa independentes e que acolheu, em 2002, também o recém-independente Timor Leste, foi estabelecida com um conjunto dos objectivos bastante ambiciosos.[49]A língua portuguesa comum deve servir de pedra mestra do projecto e na sua base pretende-se desenvolver uma cooperação multidimensional nas áreas económica, política, cultural, comercial ou social entre os países que são, porém, dotadas duma diversidade excepcional e nunca podem constituir um conjunto homogéneo. A Comunidade também intencional facilitar a circulação de pessoas dentro do seu espaço, uma ideia cuja realização, devido a múltiplas razões, não correrá sem dificuldades.
Hoje, passados quase dez anos sobre a criação da CPLP, os resultados reais não parecem satisfazer completamente as expectativas iniciais. O relativo fracasso da CPLP no papel do pacificador durante o conflito interno na Guiné-Bissau, no fim dos anos 90,[50] pode ser contrabalançado com a conclusão bem sucedida da questão de Timor Leste. Sem qualquer dúvida, o apoio prestado pelos restantes países lusófonos às ambições independentistas do povo timorense no território ocupado pela Indonésia jogou um papel importante no complicado processo do reconhecimento deste pequeno Estado-Nação nascente.[51]Um outro caso que revela a complexidade das relações entre luso-falantes é a questão do Acordo Ortográfico.
As tentativas de aproximar e harmonizar as normas ortográficas do português europeu e brasileiro, inicialmente, e hoje com uma diversidade ainda maior oriunda das diferenças no idioma português usado em sociedades africanas, incluindo as expressões do crioulo, já têm uma longa história. O primeiro Acordo Ortográfico foi assinado entre os governos brasileiro e português no anos 40 nunca veio a se realizar nos termos práticos. Esta situação repetiu-se com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado esta vez por representantes dos sete países lusófonos em Lisboa no dia de 16 de Dezembro de 1990, que até aos nossos dias não foi ratificado e por isso ainda não entrou em vigor.[52]
É evidente que as pretensões e ambições que acompanharam desde início a CPLP não tem sido completamente satisfeitas. Ironicamente, são sobretudo as diferenças entre os respectivos países que, conforme a ideia fundamental do projecto, devem pertencer a um grande espaço comum. O carácter geograficamente descontínuo, a influência permanente dos outros centros de poder económico e cultural e, até ao certo grau, os ressentimentos do passado, representam obstáculos graves para a afirmação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como uma organização universal, no que diz respeito aos seus objectivos e áreas de actuação.



CONCLUSÃO

Em guisa de epílogo, numa perspectiva histórica, entende-se o Lusotropicalismo como ideologia que serviu ao Estado Novo para justificar o Imperialismo Português, numa tentativa de suavizar e até mesmo escamotear o impacto do colonialismo.
As opiniões sobre o possível papel da teoria do luso-tropicalismo nas relações contemporâneas entre os elementos do espaço lusófono variam de país a país. Não é surpreendente que as ideias de Gilberto Freyre sobre a integração harmoniosa dos portugueses nas terras alheias gozam do melhor acolhimento em Portugal. No Brasil, a situação já é mais complicada. Por um lado, Freyre continua jogar um papel importante para os estudos da identidade do próprio Brasil. Por outro lado, a sua colaboração com o regime autoritário português do “Estado Novo” deixou uma marca negra no seu perfil científico.
Além disso, a política externa brasileira sempre apresentava uma grande porção do pragmatismo e realismo que não se suporta com conceitos do carácter tão abstracto como é o luso-tropicalismo. Nos países africanos, a atitude para com o legado de Gilberto Freyre é provavelmente mais característico pela rejeição da postura simplicista do conceito. Assim, “o fantasma que nos assombra[53]não só não oferece uma base para a nova definição das relações entre os povos de expressão portuguesa mas, ao contrário, com a sua mistificação sobre o passado colonial afoga o desenvolvimento da mútua confidência e compreensão.[54] Afinal, temos os países, como Timor Leste ou, no certo sentido, Guiné-Bissau, que acham o luso-tropicalismo irrelevante, devido ao carácter específico da presença portuguesa nestes territórios.
Hoje já parece ser evidente que as ambições da CPLP e as expectativas, sobretudo por parte de Portugal, da sua afirmação no contexto mundial, tenham sido exageradas. A organização sofre de muitas dificuldades da ordem estrutural que resultam primordialmente da imensa heterogeneidade dos seus Estados-membros e da consequente divergência dos interesses das respectivas políticas externas nacionais. Além disso, o facto que a maioria dos países da CPLP pertence ao grupo das sociedades mais pobres do mundo funciona como um obstáculo do carácter material colocado aos desenvolvimentos e aprofundamento da cooperação dentro da Comunidade. Não obstante, a cooperação em desenvolvimento, que pertence entre os principais objectivos da Comunidade pode, por outro lado, contribuir para o fortalecimento dos laços afectivos entre as nações envolvidas.
O projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa junto com a teoria do luso-tropicalismo tentam fazer face à visão do já referido “choque das civilizações” popularizado por Huntington. Provar que a cooperação entre Norte e Sul é possível e pode ser mutuamente vantajosa e contribuinte, não obstante as divergências naturais e legítimas nos interesses nacionais particulares é a tarefa básica da CPLP. Uma longa história dos contactos dos portugueses com os habitantes dos outros continentes e os vestígios que eles deixaram não é uma mistificação e não pode ser facilmente afastada. Neste sentido, a ideia do Luso-tropicalismo parece possuir bastante força para sobreviver as adversidades políticas ou científicas.



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[1] Pode se ver por exemplo o prefácio de Adriano Moreira de MARCHUETA, M. R. – FONTES, J.:Comunidade dos países de língua portuguesa; o artigo do angolano de origem lusa Ruy Duarte de Carvalho (CARVALHO, R. D.: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, pela tangente); ou, duma perspectiva diferente, a contribuição da angolana Maria da Conceição Neto (NETO, M. C.: Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século XX), entre outros.

[2]Uma descrição detalhada da organização do convite de Sarmento Rodrigues a Gilberto Freyre para a viagem científica ao Império português está na obra de Cláudia Castelo, O Modo Portuguêsde Estar no Mundo: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933 - 1961), publicado no Porto pela editora Afrontamento em 1998.
[3]Venâncio, 1996, p. 144-145.
[4]Castello, 1998, p. 103-105.
[5] Um outro famoso sociólogo brasileiro, o então ministro das Relações Exteriores do Brasil Fernando Henrique Cardoso incluiu a obra de Freyre, junto com a de Sérgio Buarque de Holanda e de Caio Prado Júnior, entre os livros mais importantes para o conhecimento da realidade brasileira. Vd. CARDOSO, F. H.: Livros que Inventaram o Brasil.
[6] Gilberto Freyre nasceu no Recife, Estado de Pernambuco, em 15 de Março de 1900 e morreu na sua cidade natal em 18 de Julho de 1987.
[7] CARDOSO, F. H. – SOARES, M.: O mundo em português: um diálogo, p. 143.
[8] Embora este conceito tenha sido gradualmente aceitado pela maioria dos intelectuais como o mais apropriado para o caso brasileiro, há quem diz que a imagem da sociedade brasileira do pé triangular é pura invenção cultural que não possui fundamentos empíricos bastante sólidos. Vd., por exemplo, DaMATTA, R. A.: For an Anthropology of the Brazilian Tradition or “A Virtude está no Meio”, in: HESS, D. J. – DaMATTA, R. A. (eds.): The Brazilian Puzzle, p. 272.
[9] Contrariamente a Freyre, Sérgio Buarque de Holanda não se mostra fascinado com a capacidade colonizadora dos portugueses: “Instrumentos sobretudo passivos, nossos colonizadores aclimaram-se facilmente, cedendo às sugestões da terra e dos seus primeiros habitantes, sem cuidar de impor-lhes normas fixas e indeléveis.” Vd. HOLANDA, S. B.: Raízes do Brasil, p. 22.
[10] Os fundamentos desta hipótese, ou da teoria do lusotropicalismo, serão analisados mais adiante.
[11] Em 1933, no seu discurso pronunciado na abertura da I Conferência dos Governadores Coloniais, o Presidente do Conselho dos Ministros português António de Oliveira Salazar destacou: “devemos organizar cada vez mais eficazmente e melhor a protecção das raças inferiores cujochamamento à nossa civilização cristã é uma das concepções mais arrojadas e das mais altasobras da colonização portuguesa.” Vd. SALAZAR, A.: A Nação na Política Colonial, in: AAVV: Antologia Colonial Portuguesa, p. 333.
[12] ALEXANDRE, V.: Velho Brasil/Novas Áfricas, p. 231.
[13] Com a reforma do quadro jurídico do Império Colonial Português, no início dos anos 50, tudo “colonial” passou a se chamar “ultramarino”. Os efeitos práticos desta reforma, que foi aprovada sobretudo com a intenção de satisfazer as exigências externas, visando a futura adesão de Portugal à Organização das Nações Unidas, foram, no entanto, nulos.
[14] CASTELO, C.: O modo português de estar no mundo, p. 28.
[15] Ora, o próprio Freyre teve ciência clara do carácter construtivo das suas teses: “Nas páginas que se seguem – páginas em que o ponto de vista não é só o cientificamente sociológico, mas, ás vezes, o normativo e politico – procuro mostrar como é possível defender e desenvolver aquela cultura por meio de uma solidariedade maior do Brasil com Portugal e com as colónias portuguesas.” FREYRE, G.: O mundo que o português criou, p. 38.
[16] Conforme Freyre, o português foi “o colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores. O menos cruel nas relações com os escravos.” FREYRE, G.: Casa grande & senzala, p. 313.
[17] Ibid., pp. 86-94.
[18]Da mesma opinião é o historiador francês Marc Ferro: “os portugueses conquistaram o mundo não com espada e cruz mas com sexo”. FERRO, M.: Colonization, p. 107, tradução nossa.
[19] A política de casamentos mistos, mesmo com bramânes e com muçulmanas, foi desenvolvida por Afonso de Albuquerque, o vice-rei da Índia portuguesa, no início do século XVI. Deste jeito, Albuquerque tentou resolver o problema da crónica escassez demográfica do elemento português nas terras colonizadas. Vd. LARA, A. S.: Colonização Moderna e Descolonização, pp. 73-74.
[20] FREYRE, G.: Casa-grande & senzala, p. 373.
[21] Ibid., p. 19.
[22] Ibid., p. 33.
[23] Ibid., p. 77.
[24] Freyre ilustra essa atitude com um provérbio popular daquela altura: “branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar”. Ibid., p. 90.
[25] FREYRE, G.: O mundo que o português criou, p. 32.
[26] FREYRE, G.: Integração portuguesa nos trópicos, p. 36. Nesta sua obra Freyre sugeriu a criação duma nova disciplina científica que denominou “hispano-tropicologia”, ou “luso-tropicologia” respectivamente, que seria uma „ciência especializada na análise e na interpretação da simbiose hispano-trópico ou luso-trópico”. Vd. p. 24.
[27] Ibid., p. 51.
[28] “Trechos de um ensaio de escritora Maria Archer – «Aspectos de paisagem social na Africa Portuguesa e no Brasil do passado sugeridos pelos livros de Gilberto Freyre»”, in: FREYRE, G.: O mundo que o português criou, pp. 127-139.
[29] Neste sentido, a crítica mais conhecida provém de Charles Boxer que aliás não discutiu directamente com Freyre mas com a propaganda salazarista. Vd. BOXER, C. R.: RaceRelations in the Portuguese Colonial Empire1415-1825.
[30] Vd. por exemplo: SILVA, T. S.: Raced Encounters, Sexed Transactions: ‘Luso-tropicalism’
and the Portuguese Colonial Empire.
[31] PEREIRA: 1999, 71-73.
[32] NETO: 1997, 322.
[33] NETO: 1977, passim e PEREIRA: 1998, 153.
[34]NETO: 1997, 335
[35]MEDINA: 2000, 51
[36]ANDRADE: 1958, X a XI
[37]FREYRE: 1953b, 230.
[38]PÉLISSIER , 1987, 90 e 88.
[39] PERREIRA, P. E. M.: Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma realidade geopolítica, pp. 232-233.
[40] Além de ter perdido a colónia mais importante do seu império, o governo português temia das tentativas de realizar a ideia da união do Brasil com Angola, ou da independência total deste território africano sob a tutela dos colonos brancos. Vd. KLÍMA, J.: Angola, p. 33. No Tratado de 1825, com que Portugal reconheceu definitivamente a independência do Brasil, foi incorporado o compromisso explícito do primeiro Imperador brasileiro Pedro I com o seu pai, o rei português Dom João VI, de não ter qualquer pretensão sobre os restantes partes do Império Colonial Português: “Sua Majestade Imperial promete não aceitar proposiçõesde quaisquer Colónias Portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil.” Conf. o Artigo Terceiro do Tratado entre Portugal e o Brasil de Reconhecimento do Império de 29 de Agosto de 1825, in: MARCHUETA, M. R. – FONTES, J.: Comunidade dos países de línguaportuguesa, p. 38.
[41] CERVO, A. – MAGALHÃES, J. C.: Depois das Caravelas, p. 278.
[42] Conf. as palavras do primeiro presidente da ditadura militar brasileira general Humberto Castello Branco: “Nossa política anticolonial se defronta com o problema dos laços afetivos e políticos que nos unem a Portugal. Talvez a solução residisse na formação gradual de uma Comunidade Afro-Luso-Brasileira, em que a presença brasileira fortificasse economicamente o sistema.” Ibid., p. 302.
[43] GUERRA, J. P.: Memória das Guerras Coloniais, p. 102 e seguintes. No realidade, muitos dos representantes dos movimentos nacionalistas já se conheciam dos tempos dos seus estudos em Portugal e dos seus encontros e debates no âmbito da Casa dos Estudantes do Império, duma organização estudantil das pessoas oriundas de diversos partes do Ultramar português. Vd. KLÍMA, J.: Poslední koloniální válka, p. 33.
[44] Por exemplo os países de África Ocidental, como Cabo Verde, Guiné-Bissau ou São Tomé e Príncipe, têm uma forte ligação à Francophonie, Moçambique virou membro do Commonwealth.
[45] Vd. por exemplo SMITH, A. - MAR-MOLINERO, C.: The Myth and Realities of Nation-Building in the Iberian Peninsula, in: MAR-MOLINERO, C. – SMITH, A. (eds.): Nationalism and the Nation in the Iberian Peninsula: Competing and Conflicting Identities, pp. 1-30.

[46] Artigo 5 do Acto Colonial de 1930, in: MIRANDA, J.: As Constituições Portuguesas, p. 313. Para perceber melhor a mudança da política colonial, confronte o sentido centralizador do Acto Colonial com os dispositivos da Constituição da República Portuguesa de 1911 (Artigo 67): “Na administração das províncias ultramarinas predominará o regime de descentralização, com leis especiais adequadas ao estado de civilização de ceda um delas.” Ibid., p. 232.
[47] “A Comunidade Portuguesa (ou outro nome que se lhe desse) compreenderia Estado e Províncias ultramarinas. Três Estados federados: Portugal, Angola, Moçambique (a que se podia, por questão de princípio, acrescentar a Índia). E as Províncias da Guiné, S. Tomé, Macau e Timor. Cabo Verde receberia o estatuto de Ilhas Adjacentes.[...] Reconheço que se trata de uma modificação profunda que porventura chocará até a Metrópole, por obrigá-la a adoptar posição paritária no Estado-federado.” Vd. GUERRA, J. P.: Memória das Guerras Coloniais, p. 333.
[48] Neste seu livro, Spínola esboça “uma tese equilibrada de construção de uma vasta Comunidade Lusíada, sobre a autonomia progressiva de todas as parcelas, cavando-se assim os alicerces de uma unidade de espírito novo, que na sua fase inicial não deixará de passar por vicissitudes, mas que acabará sólida, e na qual o Brasil poderá ter um lugar de destaque, que ocupará de facto e não apenas em ambiente de platonismo sem consequência.” SPÍNOLA, A.: Portugal e o futuro, p. 55.
[49] O lista sintética dos objectivos da Comunidade constitui o Artigo 3º dos Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinado em Lisboa no dia 17 de Julho de 1996:“São objectivos gerais da CPLP: (a) A concentração político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fóruns internacionais; (b) A cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social; (c) A materialização de projectos de promoção e difusão da Língua Portuguesa, designadamente através do Instituto Internacional de Língua Portuguesa.” Um índice maisanalítico, de 16 itens, pode-se encontrar na Declaração Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
[50] Para saber mais, vd. MACQUEEN, N.: A Community of Illusions? Portugal, the CPLP and Peacekeeping in Guiné-Bissau.
[51] Neste lugar é oportuno mencionar o envolvimento do diplomata brasileiro Sérgio Viera de Melo, nos serviços da Organização das Nações Unidas no cargo do Chefe da Administração de Transição das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET).
[52] CERVO, A. – MAGALHÃES, J. C.: Depois das Caravelas, p. 336.
[53] NETO, M. C.: Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século XX, p. 329.
[54] Já a própria denominação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com que os seus fundadores evitaram o termo “lusófonos”, do ponto de vista linguístico talvez mais apropriado, representa este esforço de contruir as relações contemporâneas sobre uma base nova sem sentimentos e ressentimentos com raízes no passado.

A DIVERSIDADE DAS ROTAS COMERCEIA.

Até hoje, pouco se sabe sobre as várias fases das rotas comerciais do passado longínquo dos antigos reinos que integram hoje o terri...